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Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

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O CAMPO RELIGIOSO: UMA REFLEXÃO EM HISTÓRIA CULTURAL<br />

Uiara Barros Otero - UNIGRANRIO - UFRJ/LHIA<br />

O estudo d<strong>as</strong> religiões no mundo antigo, apresenta uma série <strong>de</strong> narrativ<strong>as</strong> diferenciad<strong>as</strong><br />

a respeito <strong>da</strong> existência e crença nos <strong>de</strong>uses, <strong>as</strong>sim como interpretações que variam no tempo, e<br />

<strong>de</strong>monstram nov<strong>as</strong> experiênci<strong>as</strong> na relação dos homens com o divino, com o sagrado, com o mundo,<br />

indicando uma série <strong>de</strong> variáveis que se aproximam ou se distanciam <strong>da</strong> tradição, estabelecendo uma<br />

plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos critérios <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. O espaço social então se apresenta como um campo <strong>de</strong> forç<strong>as</strong>, no qual<br />

os diferentes grupos lutam por conservar ou transformar o mundo, conservando ou transformando <strong>as</strong><br />

categori<strong>as</strong> <strong>de</strong> percepção <strong>de</strong>ste mundo (BOURDIEU, 1989: 142).<br />

Paul Veyne, através <strong>da</strong> obra “acreditavam os gregos em seus mitos?”, discorre sobre uma questão<br />

fun<strong>da</strong>mental, se para os gregos existiriam problem<strong>as</strong> na crença dos mitos, ou se, atravessava uma relação <strong>de</strong><br />

oposição entre erro e ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, mito e logos. Ao inferir sobre esses <strong>as</strong>suntos, Paul Veyne <strong>as</strong>sume uma<br />

posição analítica pauta<strong>da</strong> n<strong>as</strong> seguintes prerrogativ<strong>as</strong>, que aqui consi<strong>de</strong>ro importantes para esta reflexão: A<br />

crítica ao mito apresentou dois focos centrais n<strong>as</strong> narrativ<strong>as</strong> históric<strong>as</strong>: uma brusca indocili<strong>da</strong><strong>de</strong> em relação a<br />

palavra <strong>de</strong> outrem e a construção <strong>de</strong> centros profissionais <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Para este fim último, historiadores<br />

começaram a se interrogar sobre os relatos míticos, conferindo-os. Plutarco nos dá a conhecer como a<br />

própria linguagem teria sofrido uma transformação: “a História <strong>de</strong>sceu <strong>da</strong> poesia como se baix<strong>as</strong>se <strong>de</strong> um<br />

carro, e graç<strong>as</strong> a prosa, an<strong>da</strong>ndo à pé, pô<strong>de</strong> separar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> len<strong>da</strong>” (Diálogo sobre os oráculos <strong>da</strong> Pítia,<br />

24).<br />

Veyne apresenta dois domínios que consubstanciavam <strong>as</strong> crenç<strong>as</strong> religios<strong>as</strong> greg<strong>as</strong>: os <strong>de</strong>uses e<br />

os heróis. Em época helenística a literatura, o saber, pretendiam-se doutos, e i<strong>de</strong>ntificava-se o maravilhoso<br />

com matizes racionalist<strong>as</strong>. O autor observa, que tanto filósofos como historiadores não recusavam os mitos<br />

no seu essencial, postulavam sim, um núcleo verossímel. Os estóicos para não negarem os mitos, criaram<br />

alegori<strong>as</strong>; para os filósofos, o mito era um alegoria d<strong>as</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s filosófic<strong>as</strong>, e para os historiadores era uma<br />

ligeira <strong>de</strong>formação d<strong>as</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>s históric<strong>as</strong>. Esses produtores do saber, então tentaram recuperar o que<br />

parecia ser a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Veyne, i<strong>de</strong>ntifica escritores, como Pausâni<strong>as</strong>, Cícero, Tito Lívio, como aqueles que<br />

procuraram <strong>de</strong>purar o mito, relendo-o em sua parte histórica. Pausâni<strong>as</strong>(1) excluía do mito a intervenção<br />

dos <strong>de</strong>uses. Admitia diferentes tempos e condições para construir e pensar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. Dava-se então<br />

crédito aos personagens, aos fatos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m política e aos nomes próprios, lugares comuns nos relatos<br />

míticos. Para Veyne os gregos nunca disseram que seus mitos eram completamente falsos. Uma d<strong>as</strong><br />

questões que me chamou atenção no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste raciocínio foi a construção argumentativa,<br />

segundo a qual, para Veyne, existiu uma plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> d<strong>as</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> crença, se traduzindo <strong>de</strong> fato em<br />

plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos critérios <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> (1987:135). Outra afirmativa que ele <strong>de</strong>senvolve em seu trabalho, aponta<br />

para uma questão interessante: “entre a cultura e a crença, há que escolher” (1987: 139). Com b<strong>as</strong>e nesta<br />

última afirmação, pretendo relacioná-la aos <strong>de</strong>bates produzidos entre representantes d<strong>as</strong> prátic<strong>as</strong> religios<strong>as</strong><br />

politeíst<strong>as</strong> e monoteíst<strong>as</strong> no Império <strong>Roma</strong>no.<br />

Filósofos especulavam se Deus, seria a mente e a Razão do universo ? se era tudo que vemos (em<br />

sabedoria e <strong>as</strong>sistência). As religiões no mundo greco-romano, postulavam sobre a separação do sagrado e<br />

do profano, sobre a função dos ritos com o objetivo <strong>de</strong> regular a relação entre esses campos; gregos e<br />

romanos arrazoavam sobre o temor aos seus <strong>de</strong>uses, sobre prestar-lhes <strong>de</strong>vido culto, pie<strong>da</strong><strong>de</strong>, sobre a<br />

intervenção <strong>de</strong> forç<strong>as</strong> invisíveis que governavam os <strong>de</strong>stinos dos homens; buscavam consultar os oráculos<br />

divinos sobre empreendimentos já em curso: “estabelecer socie<strong>da</strong><strong>de</strong> com os <strong>de</strong>uses, cultivá-los, prestar-lhe<br />

culto e manter relações amicais com eles, freqüentar seus altares, conviver com <strong>as</strong> potesta<strong>de</strong>s divin<strong>as</strong>: três<br />

maneir<strong>as</strong> <strong>de</strong> dizer, no significado comum, que se crê nos <strong>de</strong>uses, que temos com ele uma prática social, mais<br />

precisamente “política”, como é costume na ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.” (SISSA e DETIENE, 1990: 205)”<br />

Sissa e Detiene chamam a atenção para a importância <strong>de</strong>sse <strong>as</strong>sunto para a vi<strong>da</strong> dos homens em<br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e quando o grupo se organiza em comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> política. Levar vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> ci<strong>da</strong>dão era mostrar-se nos<br />

templos e n<strong>as</strong> fest<strong>as</strong>; e ao mesmo tempo, tomar parte n<strong>as</strong> <strong>as</strong>sembléi<strong>as</strong> <strong>de</strong>liberativ<strong>as</strong> e nos tribunais. Não<br />

ren<strong>de</strong>r aos <strong>de</strong>uses o culto a<strong>de</strong>quado significava causar <strong>da</strong>no à ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, a seus príncipes, a seu próprio ser<br />

(1990: 206). No entanto, Sissa e Detiene, observam que a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, mesmo na época no baixo helenismo,<br />

nunca exigirá <strong>de</strong> um candi<strong>da</strong>to a uma magistratura, nem <strong>de</strong> um <strong>as</strong>pirante à ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, que confessem sua<br />

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