05.11.2012 Views

Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

trabalho e os tornam mais diligentes no trabalho” (Re.Rus.1.19.3). Alguns autores, ao discutirem o conceito<br />

<strong>de</strong> escravidão <strong>de</strong>stacam o imenso po<strong>de</strong>r que os senhores exercem sobre su<strong>as</strong> “proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s com alma”,<br />

vendo neste tipo <strong>de</strong> concessão uma extrema unilaterali<strong>da</strong><strong>de</strong>, n<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> <strong>de</strong> Finley: O malogro <strong>de</strong> qualquer<br />

proprietário em exercer plenamente seus direitos sobre seus escravos-proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> foi sempre um ato<br />

unilateral <strong>de</strong> sua parte, nunca obrigatório e sempre revogável. Este fato é crucial. Assim como seu reverso, a<br />

concessão <strong>de</strong> benevolência ou privilégio específicos foram sempre revogáveis e igualmente unilaterais(2).<br />

Se Finley tivesse sido um proprietário <strong>de</strong> escravos talvez pens<strong>as</strong>se diferente. A supressão <strong>de</strong> um<br />

“privilégio” po<strong>de</strong>ria ser o estopim para um levante escravo que colocaria não só <strong>as</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s como a vi<strong>da</strong><br />

do senhor em perigo. Não era tão fácil a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> suspendê-lo como a palavra unilateral faz pensar.<br />

Outra preocupação é a legitimi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> autori<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre os escravos. Aquele a quem os escravos<br />

estarão sujeitos <strong>de</strong>ve ser um homem mais velho, com maiores conhecimentos que seus subordinados,<br />

alguém razoável que não use o chicote se pu<strong>de</strong>r usar <strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>. Esta preocupação mais uma vez vai contra<br />

a idéia <strong>de</strong> unilaterali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Finley. Para analisar o conceito <strong>de</strong> autori<strong>da</strong><strong>de</strong> exposto pela obra <strong>de</strong> Varrão po<strong>de</strong><br />

nos ser b<strong>as</strong>tante útil, durante a pesquisa, a análise d<strong>as</strong> concepções <strong>de</strong> autori<strong>da</strong><strong>de</strong> em outros campos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

romana. Este ponto torna-se b<strong>as</strong>tante interessante quando nos lembramos que o século I a.C. é o período <strong>de</strong><br />

crise <strong>da</strong> República <strong>Roma</strong>na, crise esta que não po<strong>de</strong> ser vista apen<strong>as</strong> sob a ótica <strong>da</strong> História Política: ela é<br />

também um processo <strong>de</strong> transformações econômic<strong>as</strong>, sociais e também culturais – e é neste sentido que<br />

Wallace-Hadrill afirma que a ela foi “uma crise <strong>de</strong> autori<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a qual o sistema social estava<br />

construído.”(3) Desta forma, talvez encontremos resultados interessantes se compararmos os elementos<br />

relacionados a autori<strong>da</strong><strong>de</strong> na obra <strong>de</strong> Varrão – I<strong>da</strong><strong>de</strong> e Sabedoria – com <strong>as</strong> transformações nos elementos <strong>de</strong><br />

autori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> elite romana.<br />

Quando falamos em estratégi<strong>as</strong> <strong>de</strong> controle não b<strong>as</strong>ead<strong>as</strong> na violência física, precisamos ter o<br />

cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong> não cairmos na falsa idéia <strong>de</strong> uma relação <strong>de</strong> simples cooptação dos escravos pela i<strong>de</strong>ologia<br />

escravista. Conquistando benefícios e respeitando até certo ponto a autori<strong>da</strong><strong>de</strong> sob a qual estavam<br />

submetidos os escravos não <strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong> se inserir em uma relação social extremamente conflituosa que é a<br />

relação senhor – escravo. Concordo plenamente com a análise <strong>de</strong> Keith Bradley que o medo causado pel<strong>as</strong><br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s – mais até do que pela efetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> – d<strong>as</strong> punições eram o cerne do controle dos proprietários<br />

sobre os escravos(4).<br />

Se Varrão nos mostra os proprietários pensando n<strong>as</strong> melhores form<strong>as</strong> <strong>de</strong> controlar a escravaria, por<br />

outro lado também nos permite ver alguns <strong>as</strong>pectos <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> resistência escrava. Por exemplo, no<br />

capítulo 12 do livro 1, Varrão aconselha a construção dos edifícios em locais elevados, para evitar os bandos<br />

<strong>de</strong> <strong>as</strong>saltantes. Esses bandos <strong>de</strong> <strong>as</strong>saltantes eram constituídos, entre outros tipos sociais, por escravos<br />

fugitivos. Além disso, po<strong>de</strong>mos pensar que a <strong>de</strong>fesa proporciona<strong>da</strong> por esse conselho <strong>de</strong> Varrão contra os<br />

<strong>as</strong>saltantes também funcionava para os perigos <strong>de</strong> amotinamento dos escravos <strong>da</strong> própria proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Descendo pouc<strong>as</strong> linh<strong>as</strong> no texto, no capítulo 13, Varrão aconselha que o quarto do vilicus fique ao<br />

lado <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> do edifício, para que controle quem sai e o que leva. Essa preocupação com possíveis furtos<br />

ressurge no capítulo 22, quando Varrão fala sobre os cui<strong>da</strong>dos com inventários e com o local <strong>de</strong><br />

armazenamento dos instrumentos mudos. O furto po<strong>de</strong> ser visto como uma forma <strong>de</strong> resistência cotidiana,<br />

expressão <strong>da</strong> conflituosi<strong>da</strong><strong>de</strong> d<strong>as</strong> relações senhor - escravo.<br />

Ess<strong>as</strong> estratégi<strong>as</strong> <strong>de</strong> controle precisam ser entendid<strong>as</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma lógica <strong>de</strong> “aprendizagem do<br />

controle” pela qual p<strong>as</strong>sava a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> escravista romana. Dentro <strong>da</strong> experiência cotidiana, a cl<strong>as</strong>se dos<br />

proprietários <strong>de</strong>senvolvia estratégi<strong>as</strong> e concepções <strong>de</strong> como controlar seus escravos. Essa ênf<strong>as</strong>e na<br />

construção <strong>de</strong> prátic<strong>as</strong> através <strong>da</strong> experiência é uma forma <strong>de</strong> ressaltar o caráter histórico <strong>da</strong> instituição aqui<br />

analisa<strong>da</strong>, a escravidão. Isto é, mesmo que possamos falar em característic<strong>as</strong> gerais para o escravismo<br />

romano <strong>de</strong>vemos analisar su<strong>as</strong> transformações ao longo dos séculos. Tal ênf<strong>as</strong>e também aju<strong>da</strong> a ressaltar a<br />

construção <strong>da</strong> história através dos atores sociais. A cl<strong>as</strong>se proprietária romana fez opções por <strong>de</strong>terminad<strong>as</strong><br />

estratégi<strong>as</strong> <strong>de</strong> controle que julgou <strong>de</strong> certa maneira mais eficazes ou pru<strong>de</strong>ntes frente às reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s que se<br />

lhe apresentavam. Não é <strong>de</strong>mais aqui ressaltar a importância que <strong>as</strong> gran<strong>de</strong>s rebeliões servis <strong>de</strong>vem ter tido<br />

nesse processo. Socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s Escravist<strong>as</strong> que p<strong>as</strong>sam pela experiência <strong>de</strong> revolt<strong>as</strong> <strong>de</strong> tal magnitu<strong>de</strong> não<br />

p<strong>as</strong>sam incólumes por tal experiência. Porém não são apen<strong>as</strong> os episódios d<strong>as</strong> revolt<strong>as</strong> servis que<br />

influenciaram tal processo <strong>de</strong> “aprendizagem do controle”. Como já foi dito aqui, a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> romana p<strong>as</strong>sava<br />

53

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!