Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ
Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ
Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
82<br />
BOA VIDA NO HELENISMO<br />
Rodrigo Pinto <strong>de</strong> Brito – Filosofia/<strong>UERJ</strong><br />
Ceticismo é um termo corriqueiro no senso comum utilizado para expressar <strong>de</strong>scrença, dúvi<strong>da</strong> e<br />
<strong>de</strong>silusão, m<strong>as</strong> seu significado filosófico é bem mais profundo e serve para caracterizar uma postura<br />
metodológica bem <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>.<br />
Foi Richard H. Popkin quem, em diversos trabalhos, relembrou aos pensadores do séc. XX a<br />
importância e relevância dos argumentos céticos na História <strong>da</strong> Filosofia, principalmente na Mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>. De<br />
fato, ele atribui em seus escritos boa parte d<strong>as</strong> caus<strong>as</strong> <strong>da</strong> “crise Mo<strong>de</strong>rna” ao “surto Pirrônico” que teria<br />
havido no séc. XVI.<br />
Contudo o ceticismo mo<strong>de</strong>rno, como apontado por Popkin e por diversos outros especialist<strong>as</strong> no<br />
<strong>as</strong>sunto e até mesmo por pesquisadores razoavelmente leigos, difere num importantíssimo <strong>de</strong>talhe do seu<br />
ancestral do Helenismo: o ceticismo pirrônico(1).<br />
De repente este <strong>de</strong>talhe p<strong>as</strong>saria <strong>de</strong>spercebido dos olhos dos pesquisadores se não se repetisse<br />
com relação aos argumentos d<strong>as</strong> du<strong>as</strong> mais influentes escol<strong>as</strong> do helenismo retomados e lançados mão por<br />
seus apologet<strong>as</strong> mo<strong>de</strong>rnos. Estranhamente os argumentos <strong>de</strong> origem epicurista, estóica e pirrônica na<br />
mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> aparecem mutilados <strong>de</strong> sua característica mais fun<strong>da</strong>mental e causa final: a preocupação com a<br />
boa vi<strong>da</strong>(2).<br />
Para Michel Foucault a causa do abandono <strong>da</strong> moral e ética propost<strong>as</strong> pel<strong>as</strong> referid<strong>as</strong> escol<strong>as</strong> se<br />
<strong>de</strong>ve ao que ele irá chamar <strong>de</strong> “momento cartesiano”(3), termo que <strong>de</strong>signa to<strong>da</strong> uma estrutura presente no<br />
pensamento Mo<strong>de</strong>rno que propiciará o <strong>de</strong>slocamento do enfoque <strong>da</strong>do na Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong> à epiméleia heautôu<br />
(cui<strong>da</strong>-te <strong>de</strong> ti) para o gnôthi seautón (conhece-te a ti). Ou seja, para ele em algum momento <strong>da</strong> Mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
o peso d<strong>as</strong> teori<strong>as</strong> do conhecimento <strong>de</strong> origem Estóica, Epicurista e Pirrônica será ca<strong>da</strong> vez maior em relação<br />
aos códigos morais propostos por el<strong>as</strong>(4).<br />
A própria Ética na Mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> fará parte muito mais do âmbito <strong>da</strong> discussão teórica do que <strong>da</strong><br />
atitu<strong>de</strong> prática. M<strong>as</strong> o que se tem hoje na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong> é uma mu<strong>da</strong>nça consi<strong>de</strong>rável e ca<strong>da</strong> vez maior <strong>de</strong>ste<br />
paradigma, filósofos renomados <strong>da</strong> área <strong>da</strong> Ética Contemporânea como Peter Singer, R. M. Hare e John<br />
Rawls fazem ressurgir diante <strong>de</strong> problem<strong>as</strong> corriqueiros a idéia <strong>de</strong> uma prática em direção à boa vi<strong>da</strong>(5). Daí<br />
a relevância <strong>de</strong> se pesquisar <strong>as</strong> gran<strong>de</strong>s vertentes étic<strong>as</strong> do Helenismo, apren<strong>de</strong>r com os Antigos algum<strong>as</strong><br />
máxim<strong>as</strong> <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> que talvez possam aju<strong>da</strong>r-nos a <strong>de</strong>scobrir como viver bem no nosso presente.<br />
Neste intuito, pretendo analisar brevemente <strong>de</strong> maneira enxuta e sintética a boa vi<strong>da</strong> no Helenismo,<br />
seu papel na mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> Antiga e função Política.<br />
É praticamente consensual entre os historiadores <strong>de</strong>limitar o começo <strong>da</strong> Época Helenística entre o<br />
apogeu <strong>de</strong> Alexandre e sua morte (cerca <strong>de</strong> 320 a.C.). À primeira vista talvez se pense que <strong>as</strong> mu<strong>da</strong>nç<strong>as</strong><br />
criad<strong>as</strong> pela nova configuração territorial d<strong>as</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s-Estado greg<strong>as</strong> não impliquem em diferenç<strong>as</strong><br />
substanciais no pensamento, ledo engano.<br />
A intrinca<strong>da</strong> política internacional <strong>da</strong> época, marca<strong>da</strong> por intrig<strong>as</strong> entre Macedônia, Egito, Síria, o<br />
ca<strong>da</strong> vez mais po<strong>de</strong>roso Estado <strong>Roma</strong>no, <strong>as</strong> gran<strong>de</strong>s potênci<strong>as</strong> greg<strong>as</strong> como Esparta e Aten<strong>as</strong> e divers<strong>as</strong><br />
outr<strong>as</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s-Estado helênic<strong>as</strong> e não helênic<strong>as</strong>, e <strong>as</strong> sucessiv<strong>as</strong> guerr<strong>as</strong> e tirani<strong>as</strong> geraram um enorme<br />
intercâmbio cultural facilitado pela ca<strong>da</strong> vez maior profusão <strong>de</strong> rot<strong>as</strong> comerciais e bélic<strong>as</strong>.<br />
M<strong>as</strong> a mu<strong>da</strong>nça talvez mais importante na cultura grega, causa<strong>da</strong> pelo imperialismo macedônio, foi<br />
com relação ao bem viver e a prática <strong>de</strong> si.<br />
Se antes, na Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong> Clássica, havia uma pólis que <strong>de</strong>man<strong>da</strong>va participação n<strong>as</strong> <strong>de</strong>cisões,<br />
crítica e <strong>de</strong>liberação dos ci<strong>da</strong>dãos, agora há a Cosmópolis. Nela o i<strong>de</strong>al clássico <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> se vê<br />
esfacelado, vários gregos são expatriados para acomo<strong>da</strong>r acampamentos <strong>de</strong> autóctones e sol<strong>da</strong>dos<br />
macedônios regressados <strong>de</strong> campanh<strong>as</strong> militares, a <strong>de</strong>cisão política escapa d<strong>as</strong> mãos do ci<strong>da</strong>dão que p<strong>as</strong>sa<br />
a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r dos atos <strong>de</strong> um amo estrangeiro.<br />
Seria, por outro lado, errôneo pensar que antes, na época <strong>de</strong> Platão e Aristóteles, f<strong>as</strong>e <strong>de</strong> ouro <strong>da</strong><br />
pólis, a participação efetiva na vi<strong>da</strong> política era direito <strong>de</strong> todo ci<strong>da</strong>dão, sabe-se que estrangeiros, escravos,<br />
mulheres, crianç<strong>as</strong> e velhos não tinham po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> voto em <strong>as</strong>sembléi<strong>as</strong>. Somente homens <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> adulta até<br />
<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> e ci<strong>da</strong>dãos podiam votar. Digo efetiva e eficaz porque para tal era preciso ter<br />
conhecimento, ter sabedoria. Para ter conhecimento b<strong>as</strong>tava pagar professores(6), eles ensinavam <strong>de</strong> tudo