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Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

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CONSTRUINDO A IDENTIDADE DE UMA CORTESÃ NA ATENAS CLÁSSICA<br />

Edson Moreira Guimarães Neto – LHIA/UFRJ<br />

Diferente do que existe em relação às espos<strong>as</strong> legítim<strong>as</strong>, às cortesãs atenienses não foi imposto<br />

nenhum código específico <strong>de</strong> conduta em relação a seu comportamento. A documentação não faz nenhuma<br />

referência específica a um modo a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> agir, falar, vestir-se, ou comportamento d<strong>as</strong> hetaírai, o que nos<br />

leva a crer que <strong>de</strong>terminados comportamentos característicos <strong>de</strong>ss<strong>as</strong> mulheres eram resultado d<strong>as</strong><br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> função que exerciam. Cabe observar também que quem construiu mo<strong>de</strong>los específicos<br />

acerca do modo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e conduta d<strong>as</strong> cortesãs foi a própria historiografia contemporânea, ora cl<strong>as</strong>sificando<strong>as</strong><br />

como mulheres cult<strong>as</strong> e <strong>as</strong> únic<strong>as</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente livres <strong>da</strong> pólis, ora como vítim<strong>as</strong> <strong>de</strong> submissão<br />

imposta por uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> m<strong>as</strong>culiniza<strong>da</strong>.<br />

Tentaremos <strong>de</strong>sconstruir tais mitos criados pela historiografia tradicional e, através do trabalho com<br />

a documentação textual e a cultura material, comprovar a hipótese <strong>de</strong> que o(s) processo(s) <strong>de</strong> construção <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> d<strong>as</strong> hetaírai resultou na formação do grupo – se <strong>as</strong>sim <strong>as</strong> po<strong>de</strong>mos chamar – mais heterogêneo<br />

<strong>da</strong> pólis dos atenienses.<br />

Mães ou proprietári<strong>as</strong>, <strong>as</strong> proxenet<strong>as</strong> helênic<strong>as</strong> – responsáveis pela educação d<strong>as</strong> hetaírai – eram,<br />

na maioria d<strong>as</strong> oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s, mulheres capazes <strong>de</strong> formar cortesãs <strong>de</strong>stinad<strong>as</strong> a ter uma vi<strong>da</strong> fácil ao lado<br />

<strong>de</strong> homens ricos. Tradicionalmente, parte <strong>da</strong> historiografia contemporânea ten<strong>de</strong>u a fomentar uma construção<br />

<strong>de</strong> que <strong>as</strong> cortesãs recebiam uma formação intelectual superior até mesmo à d<strong>as</strong> bem-n<strong>as</strong>cid<strong>as</strong>, participando<br />

inclusive dos <strong>de</strong>bates filosóficos (SALLES, 1982, p.46; POMEROY, 1999, pp.110-1; VRISSIMTZIS, 2002,<br />

p.95). Contudo tais consi<strong>de</strong>rações perp<strong>as</strong>sam normalmente por exemplos como o <strong>de</strong> Aspásia, que sequer<br />

po<strong>de</strong> ser comprova<strong>da</strong>mente consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> como uma hetaíra.<br />

Além <strong>de</strong> bel<strong>as</strong>, <strong>as</strong> cortesãs <strong>de</strong>veriam ser agradáveis. Acreditamos que a educação d<strong>as</strong> hetaírai era<br />

estritamente volta<strong>da</strong> ao mundo dos prazeres, visto que sua principal prerrogativa era divertir, entreter e <strong>da</strong>r<br />

prazer a seus clientes, e, como veremos mais à frente, eram ess<strong>as</strong> <strong>as</strong> arm<strong>as</strong> que el<strong>as</strong> tinham para se inserir<br />

no diálogo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r com os homens.<br />

Em primeiro lugar, era preciso que ess<strong>as</strong> jovens possuíssem o corpo i<strong>de</strong>al, ou pelo menos,<br />

parecessem possuí-lo. Para tanto, eram ensinad<strong>as</strong> a usar o próprio corpo, a remo<strong>de</strong>lá-lo. Se tinham algum<br />

<strong>de</strong>feito aprendiam a ocultá-lo, c<strong>as</strong>o alguma parte <strong>de</strong> seus corpos fosse particularmente bela, encontrariam<br />

uma maneira <strong>de</strong> <strong>de</strong>snudá-la.<br />

Enquanto <strong>as</strong> filh<strong>as</strong> legítim<strong>as</strong> dos atenienses aprendiam a cantar e a tocar principalmente com fins<br />

religiosos e longe <strong>da</strong> presença dos homens, <strong>as</strong> menin<strong>as</strong> <strong>de</strong>stinad<strong>as</strong> a serem cortesãs, evi<strong>de</strong>ntemente,<br />

treinavam prátic<strong>as</strong> <strong>de</strong> entretenimento. Por servirem <strong>as</strong> camad<strong>as</strong> mais ab<strong>as</strong>tad<strong>as</strong> <strong>da</strong> pólis dos atenienses, <strong>as</strong><br />

hetaírai realmente p<strong>as</strong>savam por um treinamento b<strong>as</strong>tante pragmático e específico na busca <strong>de</strong> proporcionar<br />

o entretenimento <strong>da</strong> melhor maneira possível, apren<strong>de</strong>ndo a <strong>da</strong>nçar, cantar e a tocar instrumentos como o<br />

krotalon, a lira e, principalmente o aulós (CERQUEIRA, 2005, p.39; SALLES, 1982, p.61; VRISSIMTZIS,<br />

2002, p.95).<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer que nesse mundo dos prazeres, <strong>as</strong> hetaírai ou companheir<strong>as</strong> – fossem el<strong>as</strong><br />

escrav<strong>as</strong> ou mulheres livres – ocupavam o mais alto posto. Ao contrário d<strong>as</strong> pórnai – que atuavam n<strong>as</strong> zon<strong>as</strong><br />

portuári<strong>as</strong> à baixos preços -, <strong>as</strong> hetaírai – com todos os seus dotes artísticos e físicos – serviam apen<strong>as</strong> a<br />

estrangeiros ricos e aos ci<strong>da</strong>dãos mais ab<strong>as</strong>tados – kaloí kagathoí – cobrando quanti<strong>as</strong> b<strong>as</strong>tante elevad<strong>as</strong>.<br />

As hetaírai eram companheir<strong>as</strong> dos homens em banquetes e outros eventos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social <strong>da</strong> pólis<br />

dos quais <strong>as</strong> espos<strong>as</strong>, filh<strong>as</strong> e irmãs não participavam, principalmente, <strong>de</strong>vido à austeri<strong>da</strong><strong>de</strong> no<br />

comportamento exaltado pelo mo<strong>de</strong>lo mélissa.(1) In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> seu flutuante status social -<br />

oscilando entre a bela e culta Aspásia e uma flautista qualquer, aos quais os favores sexuais po<strong>de</strong>riam ser<br />

louvados vez ou outra -, que po<strong>de</strong>ria sofrer gran<strong>de</strong>s variações <strong>de</strong> acordo com <strong>as</strong> circunstânci<strong>as</strong>, <strong>as</strong> hetaírai<br />

se caracterizaram por sua participação no banquete dos homens (CALAME, 2002, pp.116-7).<br />

Na dinâmica relaciona<strong>da</strong> ao mundo dos prazeres po<strong>de</strong>mos situar o sympósion como o evento<br />

máximo. Este era o acontecimento mais característico <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social e sexual em Aten<strong>as</strong>. Literalmente<br />

significando festa <strong>de</strong> beber, era um encontro único, <strong>de</strong>dicado a vários tipos <strong>de</strong> comid<strong>as</strong>, bebi<strong>da</strong>, jogos,<br />

discussões filosófic<strong>as</strong> e sexo em público com prostitut<strong>as</strong>, concubin<strong>as</strong> e outros homens, m<strong>as</strong> nunca com<br />

espos<strong>as</strong> (KEULS, 1993, p.160).<br />

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