Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ
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discurso, o que mais nos interessa não é somente o significado <strong>da</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> que o sucesso militar é<br />
<strong>da</strong>do a certos homens pel<strong>as</strong> divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s; é principalmente a linguagem com que a <strong>de</strong>claração é expressa,<br />
com termos que hesitam e relutam em se referir a po<strong>de</strong>res fora <strong>da</strong> compreensão humana que po<strong>de</strong>m ser<br />
perigosos c<strong>as</strong>o haja uma precisão excessiva ou au<strong>da</strong>ciosa. Felicit<strong>as</strong>, termo recorrente no discurso, não é<br />
sinônimo <strong>da</strong> nossa “sorte”, que é <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> pelo ac<strong>as</strong>o ou o aci<strong>de</strong>nte; é um dom d<strong>as</strong> divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s que, <strong>as</strong>sim<br />
como dão, po<strong>de</strong>m tomá-la. O general que tem este dom é o único capaz <strong>de</strong> vencer uma batalha.<br />
Outros acontecimentos mostram mais claramente a direção que a religião tomava neste período.<br />
Dois cultos maiores, um dos quais especialmente <strong>as</strong>sociado a Augusto e o outro o mais central <strong>de</strong> todos os<br />
cultos romanos, foram postos em estreita <strong>as</strong>sociação com a própria c<strong>as</strong>a <strong>de</strong> Augusto no Palatino. O templo<br />
<strong>de</strong> Apolo foi construído adjacente a ela, e o novo templo <strong>de</strong> Vesta foi nela incorporado (11). A razão para tal<br />
foi que a residência tradicional do pontifex maximus localizava-se no Forum, perto do antigo templo <strong>de</strong> Vesta.<br />
É difícil imaginar um gesto que resuma mais claramente a situação do que a transferência do coração<br />
religioso <strong>de</strong> <strong>Roma</strong> para o novo domus do imperador-sacerdote.<br />
Desse modo, um meio pelo qual o contato entre os ci<strong>da</strong>dãos divinos e os humanos era mediado era<br />
a provisão e a manutenção dos templos. Em tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> époc<strong>as</strong> <strong>de</strong> que temos conhecimento, os romanos<br />
construíram novos tempos e mantiveram aqueles já construídos. Esta era, além disso, uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> na qual<br />
uma gran<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos era investi<strong>da</strong>. Em particular, a criação <strong>de</strong> novos sítios sagrados, sejam<br />
templos propriamente ditos ou santuários com um altar, era tema <strong>de</strong> interesse público e conflito potencial<br />
(12). Muitos templos do período republicano resultaram <strong>de</strong> promess<strong>as</strong> <strong>de</strong> generais em batalh<strong>as</strong>, que muit<strong>as</strong><br />
vezes conduziam os contratos e a cerimônia <strong>de</strong> consagração, m<strong>as</strong> eram oc<strong>as</strong>iões oficiais controlad<strong>as</strong> pelos<br />
sacerdotes e pelo Senado (13). É possível que famíli<strong>as</strong> nobres tent<strong>as</strong>sem manter seu prestígio se<br />
responsabilizando pela construção e manutenção <strong>de</strong> templos particulares, e, no curso do tempo, o espaço<br />
urbano romano se transformou pelo número crescente <strong>de</strong>sses templos, em proeminente posição e que,<br />
muit<strong>as</strong> vezes, nos dão a impressão <strong>de</strong> um grupamento <strong>de</strong> colunat<strong>as</strong>. Eles serviam não apen<strong>as</strong> como uma<br />
imagem visível do domínio militar romano sobre o Mediterrâneo, m<strong>as</strong> <strong>da</strong> contribuição <strong>de</strong> nov<strong>as</strong> divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s em<br />
ca<strong>da</strong> estágio <strong>de</strong>ssa conquista.<br />
Como é freqüente na análise histórica, só po<strong>de</strong>mos atestar a importância <strong>de</strong> uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
particular quando é chama<strong>da</strong> a atenção para ela numa crise. No c<strong>as</strong>o dos templos, temos bo<strong>as</strong> razões para<br />
pensar que o governo central romano normalmente cui<strong>da</strong>va para que não entr<strong>as</strong>sem em <strong>de</strong>cadência. É<br />
somente no período <strong>da</strong> Guerra Civil, quando o governo entrou em colapso que os templos entraram num<br />
<strong>de</strong>clínio visível (14). Deuses negligenciados tinham templos negligenciados, e a sua restauração tornou-se<br />
um objetivo urgente após a guerra. Se Horácio nos informa o programa <strong>de</strong> ação, o relato <strong>de</strong> Augusto em su<strong>as</strong><br />
Res gestae nos conta como lidou com o <strong>as</strong>sunto (15). Há lugar para um certo ceticismo sobre <strong>as</strong><br />
reivindicações <strong>de</strong> Augusto e o seu significado: se ele pu<strong>de</strong>sse restaurar tantos templos num só ano,<br />
certamente não teria tido tempo para mu<strong>da</strong>nç<strong>as</strong> fun<strong>da</strong>mentais ou para a reconstrução d<strong>as</strong> instituições em<br />
colapso. É difícil acreditar que muito mais pu<strong>de</strong>sse ser feito além <strong>de</strong> uma pintura n<strong>as</strong> pare<strong>de</strong>s. O que<br />
aconteceu, contudo, tem um gran<strong>de</strong> significado.<br />
O período do principado augustano viu também um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> construções <strong>de</strong> templos. O<br />
mais espetacular foi provavelmente o templo <strong>de</strong> Marte Ultor, construído para dominar seu novo Forum. Ele<br />
fora prometido na Batalha <strong>de</strong> Filipos, em 42 AC, quando o ain<strong>da</strong> Otaviano, combatendo os “<strong>as</strong>s<strong>as</strong>sinos” <strong>de</strong><br />
seu “pai”, invocou o “Vingador”. Marte é, como sabemos, o pai <strong>de</strong> Rômulo e Remo, ancestrais dos Julii. Outro<br />
templo magnífico foi construído nos anos 20 AC para Apolo, perto <strong>da</strong> c<strong>as</strong>a <strong>de</strong> Augusto no Palatino. Apolo era<br />
também um dos <strong>de</strong>uses protetores <strong>de</strong> Augusto e responsável por sua vitória sobre Sexto Pompeu, em 38 AC.<br />
Parte <strong>da</strong> história religiosa romana consiste em uma negociação entre mu<strong>da</strong>nça e acomo<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><br />
mu<strong>da</strong>nça. O outro lado <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>, contudo, não po<strong>de</strong> ser negligenciado. Se novos elementos constantemente<br />
chegam, antigos são freqüentemente omitidos ou esquecidos. As inovações são mais bem documentad<strong>as</strong> em<br />
noss<strong>as</strong> fontes do que <strong>as</strong> perd<strong>as</strong>, geralmente não documentad<strong>as</strong>. Tendo ou não documentação para tratá-l<strong>as</strong>,<br />
é possível que sempre tenha havido um incessante fluxo <strong>de</strong> antigos ritos caindo no esquecimento e novos<br />
entrando em prática.<br />
Se Augusto prosseguia na tradição dos gran<strong>de</strong>s construtores <strong>de</strong> templos <strong>da</strong> República, seus sucessores não<br />
seguiram seu exemplo do mesmo modo. A construção dos templos em <strong>Roma</strong> p<strong>as</strong>sou a ser feita<br />
principalmente em favor dos novos <strong>de</strong>uses, isto é, os sucessivos imperadores mortos, <strong>de</strong>clarados diui após<br />
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