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Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

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Orígenes <strong>de</strong>fendia a impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeitar-se a dois amos. Deus era criador, artífice do<br />

universo e os <strong>de</strong>mônios eram príncipes do maligno para servi-lo neste mundo. Segundo su<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>,<br />

“<strong>da</strong>mos culto a Deus e a seu filho que é seu Verbo e imagem, resplendor <strong>de</strong> sua glória e marca <strong>da</strong> sua<br />

substância, emanação pura, <strong>da</strong> glória do onipotente”. Então, em sua concepção, cristãos não <strong>de</strong>viam<br />

participar <strong>da</strong> mesa dos <strong>de</strong>mônios. Demônios eram os que se alimentavam do sangue e graxa dos sacrifícios<br />

que se lhes ofereciam; moravam na terra e eram os <strong>de</strong>uses d<strong>as</strong> nações que se <strong>as</strong>sentavam n<strong>as</strong> imagens.<br />

Para Orígenes, não <strong>da</strong>va para <strong>de</strong>screver a forma do <strong>de</strong>us invisível e incorpóreo, transcen<strong>de</strong>nte. O<br />

monoteísmo então, <strong>de</strong> forma geral, questionava uma idéia fluí<strong>da</strong> <strong>da</strong> divin<strong>da</strong><strong>de</strong>, difundindo e reproduzindo n<strong>as</strong><br />

comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s nov<strong>as</strong> percepções <strong>de</strong>sses códigos religiosos e como afirma Bourdieu, profissionais do po<strong>de</strong>r<br />

simbólico apropriavam-se <strong>de</strong> palavr<strong>as</strong> que estavam investid<strong>as</strong> <strong>de</strong> valor por todo o grupo (1989: 143,nota).<br />

Uma vez que era impraticável para os cristãos representarem seu Deus <strong>de</strong> forma visível (nos<br />

primeiros séculos <strong>da</strong> era comum), se estabelecia a questão <strong>de</strong> se subelevar acima d<strong>as</strong> representações e<br />

prátic<strong>as</strong> já comumente aceit<strong>as</strong> no mundo d<strong>as</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Para apologist<strong>as</strong>(3) cristãos, eles já não observavam<br />

o culto dos ju<strong>de</strong>us, nem reconheciam mais os <strong>de</strong>uses que os gregos tinham por tais. Postulavam<br />

<strong>de</strong>senvolver um novo gênero <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, pelo qual a crença (produtora <strong>de</strong> novos sentidos) fosse o veículo<br />

dinâmico <strong>de</strong> novos parâmetros <strong>de</strong> conduta, regr<strong>as</strong> <strong>de</strong> comportamento, ações no mundo, e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Temos então, num ambiente cosmopolita <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> greco-romana, prátic<strong>as</strong> religios<strong>as</strong> distint<strong>as</strong>, diferentes<br />

critérios <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, núcleos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> idéi<strong>as</strong> no mundo antigo, pontos <strong>de</strong> intersecção ou <strong>de</strong><br />

af<strong>as</strong>tamentos, os quais esboçam interpretações, que discutem <strong>de</strong>terminações estruturad<strong>as</strong> no mundo social.<br />

Ao nosso ver, por mais que o estado romano adot<strong>as</strong>se uma política <strong>de</strong> tolerância, <strong>de</strong> abertura para<br />

com os outros, su<strong>as</strong> orientações eram sustentad<strong>as</strong> pelo centro <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Mesmo se durante longos períodos<br />

<strong>de</strong> tempo, a gran<strong>de</strong> maioria dos membros <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> se i<strong>de</strong>ntifica em certa medi<strong>da</strong> com os valores e<br />

norm<strong>as</strong> <strong>de</strong> um <strong>da</strong>do sistema, outr<strong>as</strong> tendênci<strong>as</strong> po<strong>de</strong>m gerar alterações n<strong>as</strong> premiss<strong>as</strong> básic<strong>as</strong> <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m<br />

vigente. Por vári<strong>as</strong> razões: porque os grupos manifestam lut<strong>as</strong> quanto à distribuição <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

havendo uma plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> actores, bem como <strong>de</strong> princípios organizativos, <strong>de</strong> interpretação <strong>de</strong> sentidos,<br />

códigos culturais e <strong>de</strong> situações materiais concret<strong>as</strong>. Os diferentes modos <strong>de</strong> percepção <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

manifestam o conflito que é inerente a todos os cenários <strong>de</strong> interação social, <strong>da</strong> luta pelo controle dos<br />

recursos simbólicos que <strong>de</strong>finem o po<strong>de</strong>r, prátic<strong>as</strong>, posições, domínios (BOURDIEU, 1989: 124-142).<br />

Eisenstadt, traz uma consi<strong>de</strong>ração salutar a este respeito: “Alguns grupos po<strong>de</strong>rão opor-se gran<strong>de</strong>mente às<br />

premiss<strong>as</strong> básic<strong>as</strong> <strong>da</strong> institucionalização <strong>de</strong> um <strong>da</strong>do sistema, partilhar os seus valores e símbolos em<br />

pequena medi<strong>da</strong> e aceitar est<strong>as</strong> norm<strong>as</strong> apen<strong>as</strong> enquanto mal menor e , por esse motivo, vinculando-os<br />

somente num sentido muito restrito. Outros po<strong>de</strong>rão partilhar os valores e símbolos, e aceitar <strong>as</strong> norm<strong>as</strong> em<br />

maior medi<strong>da</strong>, m<strong>as</strong> consi<strong>de</strong>rar-se no entanto a si próprios como <strong>de</strong>positários mais genuínos <strong>de</strong>sses mesmos<br />

valores. Estes grupos po<strong>de</strong>rão contestar os níveis concretos em que os símbolos são institucionalizados<br />

pel<strong>as</strong> elites no po<strong>de</strong>r, tentando interpretá-los <strong>de</strong> diferentes form<strong>as</strong>. Po<strong>de</strong>rão não aceitar os mo<strong>de</strong>los <strong>da</strong><br />

or<strong>de</strong>m cultural e social que consi<strong>de</strong>ram ser <strong>de</strong>fendidos pelo centro como o legitimador <strong>da</strong> distribuição <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>res e recursos existentes, e po<strong>de</strong>rão em conseqüência <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r orientações culturais diferentes ou<br />

contrári<strong>as</strong> às sustentad<strong>as</strong> pelo centro. Outros grupos po<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>senvolver nov<strong>as</strong> interpretações dos<br />

mo<strong>de</strong>los existentes. Na organização social e cultural os sistem<strong>as</strong> se encontram num processo contínuo <strong>de</strong><br />

construção. A formulação dos <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> existência humana e social e <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m cósmica, apresentam um alto<br />

grau <strong>de</strong> expressão simbólica, <strong>de</strong> concepções, sendo alvo <strong>de</strong> contínu<strong>as</strong> reformulações, à serviço do interesse<br />

e plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> actores envolvidos, indicando tensão com <strong>as</strong> form<strong>as</strong> institucionalizad<strong>as</strong>, e <strong>de</strong> forma<br />

proporcional gerando nov<strong>as</strong> padronizações. (1991: 37).<br />

Inferimos que tanto Celso, <strong>de</strong>fensor d<strong>as</strong> representações politeíst<strong>as</strong>, quanto Orígenes, <strong>de</strong>fensor d<strong>as</strong><br />

representações monoteíst<strong>as</strong>, ambos nos inserem no <strong>de</strong>bate, sobre <strong>as</strong> relações entre os diferentes elementos<br />

constitutivos <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m social e os modos como a cultura se constrói nesta or<strong>de</strong>m, reproduzindo padrões <strong>de</strong><br />

comportamento, valores, símbolos, m<strong>as</strong>, também sendo objeto <strong>de</strong> diferentes movimentos <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça e<br />

transformação, indicando uma variante <strong>de</strong> orientações simbólic<strong>as</strong> e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. A cultura é então espaço <strong>de</strong><br />

atuação contínua e no mundo social, engendra movimento, consi<strong>de</strong>rando-se naturalmente, <strong>as</strong> nov<strong>as</strong><br />

condições polític<strong>as</strong>, sociais, econômic<strong>as</strong> que se apresentam no curso <strong>da</strong> temporali<strong>da</strong><strong>de</strong> histórica.<br />

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