05.11.2012 Views

Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Essa lei <strong>da</strong> hospitali<strong>da</strong><strong>de</strong> estava tão inseri<strong>da</strong> na cultura nórdica que mesmo que um inimigo ferrenho<br />

<strong>de</strong> alguém fosse em sua c<strong>as</strong>a, seria recebido como se fosse um familiar ou amigo, e teria to<strong>da</strong> proteção,<br />

po<strong>de</strong>ndo dormir tranqüilamente. Isso po<strong>de</strong> ser visto na ópera <strong>de</strong> Richard Wagner, A Valquíria, que se inicia<br />

com a chega<strong>da</strong> <strong>de</strong> Siegmund à cabana <strong>de</strong> Hunding e sua esposa Sieglin<strong>de</strong>, procurando se proteger <strong>de</strong> uma<br />

violenta tempesta<strong>de</strong>. Ao entrar, cai exausto sobre uma pele <strong>de</strong> urso e é encontrado pela mulher, que lhe traz<br />

água. Ambos ficam atraídos um pelo outro. Ao chegar, Hunding pergunta quem é o estranho e após ouvi-lo,<br />

oferece-lhe ru<strong>de</strong>mente a sua hospitali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ao questionar Siegmund no que diz respeito ao motivo que o<br />

trouxera à sua c<strong>as</strong>a, o violento anfitrião fica abismado: "ele fora em socorro a uma jovem mulher, obriga<strong>da</strong> a<br />

um c<strong>as</strong>amento sem amor, e matara os seus selvagens familiares, m<strong>as</strong> com lança e escudo arrancados <strong>de</strong><br />

seus braços, ele não fora capaz <strong>de</strong> proteger a mulher. Ela morrera diante <strong>de</strong> seus olhos e ele tivera <strong>de</strong> fugir<br />

do bando. Hunding se dá conta então <strong>de</strong> que os homens atacados por Siegmund eram seus familiares e que<br />

dá guarita em sua c<strong>as</strong>a a um inimigo. As leis <strong>de</strong> hospitali<strong>da</strong><strong>de</strong> obrigam-no a abrigar Siegmund por esta noite,<br />

m<strong>as</strong> ao alvorecer ele terá <strong>de</strong> lutar pela própria vi<strong>da</strong>."( MILLINGTON, B, 1995, p. 332.)<br />

Hospitali<strong>da</strong><strong>de</strong> à parte, a essência germânica estava mesmo b<strong>as</strong>ea<strong>da</strong> na guerra, que para esses<br />

ardorosos e honrados homens era talvez a coisa mais importante que havia. Brutais, quando saíam do círculo<br />

<strong>de</strong> sua cl<strong>as</strong>se pareciam fer<strong>as</strong> em liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, vindo a ser monstruosos triunfadores que saíam talvez <strong>de</strong> uma<br />

terrível série <strong>de</strong> <strong>as</strong>s<strong>as</strong>sínios, <strong>de</strong> incêndios e <strong>de</strong> violações com tanto orgulho e sereni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> alma como se se<br />

trat<strong>as</strong>se duma parti<strong>da</strong> <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntes e persuadidos <strong>de</strong> que <strong>de</strong>ram aos poet<strong>as</strong> matéria farta para celebrar e<br />

cantar.(Cf. NIETZSCHE, F. 1991, p. 13.) Eram, segundo Nietzsche, <strong>as</strong> best<strong>as</strong> loir<strong>as</strong> “em busca <strong>de</strong> presa.”(<br />

I<strong>de</strong>m.) A selvageria é, ain<strong>da</strong> <strong>de</strong> acordo com o filósofo, uma característica <strong>de</strong> estirpes aristocrátic<strong>as</strong> que<br />

surgem <strong>de</strong> tempos em tempos: heróis homéricos, romanos, árabes, japoneses e vikings escandinavos, além<br />

dos germanos. Ele acrescenta dizendo que “tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> raç<strong>as</strong> nobres <strong>de</strong>ixaram vestígios <strong>de</strong> barbárie à sua<br />

p<strong>as</strong>sagem; na mais alta cultura conserva-se a sua recor<strong>da</strong>ção.”(I<strong>de</strong>m.) No entanto, <strong>as</strong> tribos germânic<strong>as</strong><br />

respeitavam os adversários quando estes eram corajosos e gran<strong>de</strong>s guerreiros, pois não podiam suportar<br />

“um inimigo que não fosse venerável.”( Cf. Ibid., p. 14. )<br />

A questão dos combates era tão fun<strong>da</strong>mental que po<strong>de</strong> ser verifica<strong>da</strong> nos próprios mitos germanoescandinavos.<br />

Talvez o maior exemplo seja a vi<strong>da</strong> post mortem. Os nórdicos acreditavam, como já foi visto<br />

anteriormente, que somente aqueles que morriam em combate tinham o seu p<strong>as</strong>saporte garantido para o<br />

paraíso, o Valhalla. Lá, os guerreiros curtiam a vi<strong>da</strong> que pediram aos <strong>de</strong>uses, ou seja, luta, comi<strong>da</strong>, bebi<strong>da</strong> e<br />

mulheres, como po<strong>de</strong> ser visto na Ed<strong>da</strong> em prosa: “todos os di<strong>as</strong>, após terem-se vestido, colocam su<strong>as</strong><br />

armadur<strong>as</strong>, saem ao pátio e combatem entre si, matando-se uns aos outros. Esta é sua diversão e, quando<br />

chega a refeição, cavalgam <strong>de</strong> volta ao palácio e sentam-se juntos para beber. Como é dito aqui: no pátio <strong>de</strong><br />

Óðinn, os guerreiros mortos combatem diariamente. Escolhem su<strong>as</strong> vítim<strong>as</strong>, cavalgam ao palácio e, unidos,<br />

voltam a beber.”( STURLUSON, S. Op. cit., p. 96-97. )<br />

Seus principais <strong>de</strong>uses, Odin e Thor (Escandinávia) ou Wotan e Donner (Germânia), confirmam o<br />

espírito bélico dos germanos. Ambos são <strong>de</strong>uses <strong>da</strong> estirpe dos Æsir ou Ases(5). Thor é, sem sombra <strong>de</strong><br />

dúvi<strong>da</strong>, o <strong>de</strong>us mais popular <strong>da</strong> Europa germânica. É consi<strong>de</strong>rado como o guardião d<strong>as</strong> divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s, em<br />

função <strong>da</strong> sua ira e agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Pertence, <strong>de</strong> acordo com Dumézil, à segun<strong>da</strong> função, a <strong>da</strong> guerra(6), m<strong>as</strong><br />

atuava também como uma divin<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> terra, fertilizando-a com seus raios, trovões e tempesta<strong>de</strong>s sendo,<br />

por esse motivo, largamente cultuado pelos camponeses. Já que era um <strong>de</strong>us venerado pelo povo, teve seu<br />

culto espalhado pelos quatro cantos do norte europeu, difundindo-se posteriormente pelo mundo.<br />

Þórr, teônimo que significa “o <strong>de</strong>us que troa”, “é o <strong>de</strong>us do martelo, o inimigo dos gigantes, cujo furor<br />

o faz, às vezes, parecer com eles.”( DUMÉZIL, G. 1959, p. 4.) É uma divin<strong>da</strong><strong>de</strong> um tanto quanto grosseira,<br />

que aju<strong>da</strong> os camponeses com violência, já que é o <strong>de</strong>us do raio e do trovão.<br />

Wagner, para melhor a<strong>da</strong>ptar o mito à sua obra (especificamente em O ouro do Reno, a primeira d<strong>as</strong><br />

quatro óper<strong>as</strong> que fazem parte <strong>de</strong> O anel do Nibelungo, também conheci<strong>da</strong> como Tetralogia), colocou Donner<br />

como irmão <strong>de</strong> Fricka, Freia e Froh e, conseqüentemente, cunhado <strong>de</strong> Wotan, que é marido <strong>de</strong> Fricka.(7) Os<br />

mitos édicos, no entanto, possuem du<strong>as</strong> variantes sobre a origem <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>us. A primeira diz que é ancestral<br />

<strong>de</strong> Óðinn, e a segun<strong>da</strong> o situa como filho do mesmo.<br />

Donner <strong>de</strong>tém um po<strong>de</strong>r muito gran<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>r esse que vem, em parte, <strong>de</strong> seu martelo mágico,<br />

Mjölnir (aquele que fragmenta), com o qual além <strong>de</strong> produzir <strong>as</strong> tempesta<strong>de</strong>s e rachar os crânios dos gigantes<br />

<strong>de</strong> gelo e <strong>da</strong> montanha, pratica <strong>de</strong>terminados rituais mágicos. Na ópera, por divers<strong>as</strong> vezes ele parte para<br />

60

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!