Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ
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PROFANO E SAGRADO NO ROMANCE O ASNO DE OURO<br />
Fabiane Silva Martins – NEA/<strong>UERJ</strong><br />
Todos sabemos, através <strong>de</strong> nossa própria experiência, ser próprio dos homens temerem o que não<br />
po<strong>de</strong>m controlar (RODRIGUES, 1983: 65) e que <strong>de</strong>sconhecem, <strong>as</strong>sim como estarem <strong>as</strong> cultur<strong>as</strong> <strong>de</strong>stinad<strong>as</strong> a<br />
enfrentar eventos que a <strong>de</strong>safiam. Afinal, tudo que é anômalo e esta fora do nosso controle, como nos diz<br />
José Carlos RODRIGUES, converte-se imediatamente em fonte <strong>de</strong> perigo (RODRIGUES, 1983: 66).<br />
Durante milênios juntaram-se inúmeros vestígios históricos <strong>da</strong> incessante busca humana por<br />
respost<strong>as</strong> às pergunt<strong>as</strong> que, até hoje, ain<strong>da</strong> não encontraram respost<strong>as</strong> <strong>de</strong>finitiv<strong>as</strong> e unísson<strong>as</strong>: <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
viemos e para on<strong>de</strong> vamos?<br />
A busca por respost<strong>as</strong> a estes questionamentos simples e até mesmo consi<strong>de</strong>rados por alguns<br />
pueris, m<strong>as</strong> os quais <strong>de</strong> muitos tiram o sono, trouxeram, para nós, não só uma varia<strong>da</strong> gama <strong>de</strong> cultos e<br />
manifestações religios<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> também uma rica documentação, entre <strong>as</strong> quais, templos, fórmul<strong>as</strong>, segredos<br />
ancestrais, documentos milenares, contos que chegaram a nós, entre outros, on<strong>de</strong> <strong>as</strong> respost<strong>as</strong> foram<br />
atribuíd<strong>as</strong> a crenç<strong>as</strong> em <strong>de</strong>uses, lugares para on<strong>de</strong> os mortos seguem com sua caminha<strong>da</strong>, magi<strong>as</strong>,<br />
encantamentos, cultos que visavam a salvação, entre outr<strong>as</strong> inúmer<strong>as</strong> manifestações.<br />
O romance O Asno <strong>de</strong> ouro, nos mostra através <strong>de</strong> su<strong>as</strong> págin<strong>as</strong> como alguns buscavam se<br />
relacionar com a morte, com o <strong>de</strong>sconhecido e com os mistérios do universo, suscitando, bem como<br />
respon<strong>de</strong>ndo, inúmeros questionamentos com relação ao cotidiano e às relações sociais <strong>da</strong> <strong>Roma</strong> Antiga.<br />
Tais quais os gregos, os romanos se preocupavam com a morte, e a ela atribuíram uma série <strong>de</strong><br />
comportamentos e rituais a serem seguidos: fazia-se essencial o enterro do morto, bem como a execução <strong>de</strong><br />
rituais que garantiriam a p<strong>as</strong>sagem tranqüila do espírito ao mundo dos mortos, impedindo que o mesmo<br />
vag<strong>as</strong>se entre os vivos espalhando sua dor e indignação por sua morte e levando maldição à comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> a<br />
qual habitou.<br />
A preocupação acerca do cui<strong>da</strong>do com os mortos e seus rituais é b<strong>as</strong>tante explícita no <strong>de</strong>correr do<br />
livro <strong>de</strong> Apuleio.<br />
Logo no início do livro, enquanto Lucius viajava à Tessália, encontra com Aristômenes e este lhe<br />
conta a história a qual viveu em companhia <strong>de</strong> seu amigo Sócrates. Na história, Aristômenes, fala do ritual<br />
funerário chamado conclamatio (apelo), no qual o nome do morto era invocado inúmer<strong>as</strong> vezes antes que<br />
fosse conduzido à tumba, e <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> do sepultamento do corpo: “M<strong>as</strong> que ao menos sobreviva para<br />
amontoar um pouco <strong>de</strong> terra sobre o cadáver <strong>de</strong>ste pobre rapaz” (Apuleio. 26). ). Outra p<strong>as</strong>sagem a respeito<br />
do cui<strong>da</strong>do dos romanos com os mortos e com seus rituais é a p<strong>as</strong>sagem na qual Cari<strong>da</strong><strong>de</strong>, moça nobre,<br />
após a morte <strong>de</strong> seu marido Tlepólemo, presta gran<strong>de</strong>s homenagens a ele, chamad<strong>as</strong> por Apuleio <strong>de</strong> divin<strong>as</strong>,<br />
e ergue na sepultura uma figura com traços do <strong>de</strong>us Líber (nome latino <strong>de</strong> Dioniso.), simbolizando seu marido<br />
(Apuleio. 153). No mesmo conto é cita<strong>da</strong> a preocupação em se guar<strong>da</strong>r o luto, um luto <strong>de</strong> 12 meses (I<strong>de</strong>m.<br />
155)!<br />
Esta prática <strong>da</strong> ostentação funerária, percebi<strong>da</strong> no texto <strong>de</strong> Apuleio com o exemplo <strong>de</strong> Cari<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
era comum na Grécia, pois era costume <strong>da</strong> aristocracia grega, construir gran<strong>de</strong>s túmulos com belos<br />
monumentos àqueles que morriam, pois eles aju<strong>da</strong>riam a manter viva a memória do morto no mundo dos<br />
vivos.<br />
Além do respeito pelos rituais fúnebres, e por certos cerimoniais e comportamentos que <strong>de</strong>viam<br />
acompanhar a morte, em <strong>Roma</strong> <strong>as</strong>sim como na Grécia, existiam aqueles que se aproveitavam <strong>da</strong> morte<br />
alheia para benefício próprio utilizando-se <strong>de</strong> prátic<strong>as</strong> mágic<strong>as</strong> provind<strong>as</strong> do sincretismo religioso que<br />
utilizavam a morte como material b<strong>as</strong>e para a realização <strong>de</strong> feitiços.<br />
A necromancia era con<strong>de</strong>na<strong>da</strong> pel<strong>as</strong> leis roman<strong>as</strong>, porém muitos utilizavam prátic<strong>as</strong> mágic<strong>as</strong><br />
necromantes para atingir seus objetivos pessoais furtivamente, visitando cemitérios ou velórios durante a<br />
noite, secretamente, quando todos já dormiam e o morto encontrava-se só.<br />
Apuleio, em sua obra, não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> mencionar a Tessália, consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> na Antigui<strong>da</strong><strong>de</strong> como uma<br />
terra repleta <strong>de</strong> magia, apresentando-a como o país no qual todos concor<strong>da</strong>vam em celebrar como o berço<br />
d<strong>as</strong> artes mágic<strong>as</strong> e dos encantamentos(Ib<strong>de</strong>m. 35). Cita, então, o hábito <strong>de</strong> se contratarem vigi<strong>as</strong> noturnos<br />
para velarem os mortos enquanto todos dormiam, protegendo-os dos ataques noturnos d<strong>as</strong> feiticeir<strong>as</strong>, <strong>as</strong><br />
quais, metamorfosead<strong>as</strong> em animais, invadiam o local on<strong>de</strong> os corpos estavam e <strong>de</strong>sfiguravam o morto,