Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ
Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ
Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Eros ao venerar a Tanatos. Assim sendo, o amor, que por to<strong>da</strong> peça é o leitmotiv <strong>de</strong> combate, faz a jovem<br />
tebana caminhar em direção à escolha simbólica por seu auto-sepultamento. Seu amor é semeado<br />
exclusivamente entre os mortos, <strong>da</strong>í sua hamartía(1).<br />
Para falar <strong>de</strong> culpa, a sua não é uma questão subjetiva. Nessa situação <strong>de</strong> imp<strong>as</strong>se, o que se lhe<br />
apresenta é uma escolha única: é preciso enterrar o irmão. Diante do inexorável, ela <strong>as</strong>sume <strong>as</strong><br />
conseqüênci<strong>as</strong> e responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> seu ato. Des<strong>de</strong> sua <strong>as</strong>piração à conclusão <strong>de</strong> seu ato que põe fim a<br />
própria vi<strong>da</strong>, Antígona p<strong>as</strong>sa por tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> f<strong>as</strong>es que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>iam a catástrofe final. Sua <strong>de</strong>liberação e sua<br />
<strong>de</strong>cisão se mesclam num processo entre intelecto e <strong>de</strong>bate emocional interno, contudo este prevalece. E<br />
disso ela tem noção <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a manifestação <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong> inicial. Dessa maneira, a idéia<br />
<strong>de</strong> conceitos integradores surge emergencialmente frente às totali<strong>da</strong><strong>de</strong>s opressiv<strong>as</strong>, <strong>da</strong>ndo expressão a uma<br />
simbologia que po<strong>de</strong> ser li<strong>da</strong> sob a ótica d<strong>as</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s latino-american<strong>as</strong>.<br />
A (re)leitura <strong>de</strong> Antígona e sua possível relação com o movimento argentino d<strong>as</strong> Madres <strong>de</strong> Plaza<br />
<strong>de</strong> Mayo remete às figur<strong>as</strong> propost<strong>as</strong> por Hegel: “Amo-Escravo” e “Homem-Mulher”. É importante ressaltar<br />
que, em relação à primeira, o servo, ao enfrentar o senhor, põe em marcha seu projeto <strong>de</strong> conscientização, o<br />
que promove uma inversão dos papéis. Na segun<strong>da</strong>, ao se colocarem em conflito homem e mulher, tem-se o<br />
que se po<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r como a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira etici<strong>da</strong><strong>de</strong>, ou seja, o caráter, a individuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o reconhecimento <strong>da</strong><br />
própria alteri<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
“Amo-Escravo” e “Homem-Mulher” se ressignificam e abrem para os questionamentos <strong>de</strong> embate e<br />
resistência frente a um regime opressor e segregacionista. Combater Creonte e morrer <strong>de</strong>cretando a falência<br />
do po<strong>de</strong>r m<strong>as</strong>culino representado por este homem fazem com que Antígona atinja o ponto que permite nov<strong>as</strong><br />
discussões sobre o papel feminino diante <strong>da</strong> crise do sistema logo-cêntrico. Ela, ao se conscientizar <strong>de</strong> seus<br />
direitos e apontar os abusos do tirano, se torna senhora <strong>de</strong> sua própria vi<strong>da</strong> e também <strong>da</strong> morte, que lutam<br />
num conflito sem saí<strong>da</strong>. Antígona morre e, junto com seu fim, há a total aniquilação do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Creonte.<br />
Num salto espaço-temporal permitido pelo diálogo entre <strong>as</strong> du<strong>as</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s presentes nesse<br />
estudo, falar do papel <strong>de</strong>sempenhado pel<strong>as</strong> Madres argentin<strong>as</strong> é um caminho viável para se pensar a<br />
dicotomia outrora menciona<strong>da</strong> entre amor e lei, visto que ess<strong>as</strong> mulheres po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rad<strong>as</strong> como <strong>as</strong><br />
“Antígon<strong>as</strong> ibero-american<strong>as</strong>”.<br />
“Les folles <strong>de</strong> la Place <strong>de</strong> Mai"(2), como são chamad<strong>as</strong> na França, não pejorativamente, m<strong>as</strong> pelo<br />
papel que <strong>de</strong>sempenharam frente a um regime repressivo, ess<strong>as</strong> mulheres, que tiveram seus filhos<br />
<strong>de</strong>saparecidos durante a última ditadura militar argentina, saíram <strong>da</strong> esfera priva<strong>da</strong> e foram para a praça<br />
construir um discurso na contra mão do po<strong>de</strong>r. Na repersonificação <strong>da</strong> personagem grega, surgem <strong>as</strong> Madres<br />
que saem à luta para abrir <strong>as</strong> ferid<strong>as</strong> <strong>de</strong>ixad<strong>as</strong> pelo medo e pela opressão.<br />
Analisar o discurso do corpo, como resistência, e atentar para o testemunho, como um processo <strong>de</strong><br />
escrita viável para o resgate <strong>da</strong> alteri<strong>da</strong><strong>de</strong> e a preservação <strong>da</strong> memória, são caminhos que possibilitam<br />
pensar na existência <strong>de</strong> uma voz que não se constrói no chamado “centro”. Entretanto, ela consegue alcançálo<br />
numa perspectiva <strong>de</strong>sestabilizadora do sistema hegemônico que visa a apagar diferenç<strong>as</strong>, ao propor<br />
rearticulações dialógic<strong>as</strong>.<br />
Ao se ter como b<strong>as</strong>e a presença d<strong>as</strong> “Madres <strong>de</strong> Plaza <strong>de</strong> Mayo”(3) na Argentina, buscar-se-á,<br />
neste momento, analisar a importância <strong>da</strong> permanência <strong>de</strong>ss<strong>as</strong> mulheres para o contexto sociopolíticocultural,<br />
bem como os discursos que el<strong>as</strong> produzem, encarnando-<strong>as</strong> como her<strong>de</strong>ir<strong>as</strong> do legado <strong>de</strong> Antígona.<br />
O que, a princípio, seriam apen<strong>as</strong> algum<strong>as</strong> mães que se reuniam em frente ao palácio do governo,<br />
A C<strong>as</strong>a Rosa<strong>da</strong>, para estarem junt<strong>as</strong> e, nessa angústia compartilha<strong>da</strong>, buscarem notíci<strong>as</strong> <strong>de</strong> seus familiares<br />
levados pelo terror, ganhou uma dimensão enorme, até os di<strong>as</strong> <strong>de</strong> hoje. Na mesma praça, ess<strong>as</strong> mulheres<br />
<strong>de</strong>solad<strong>as</strong> se reúnem semanalmente, tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> quint<strong>as</strong>-feir<strong>as</strong>, fazem a Marcha ao redor <strong>da</strong> pirâmi<strong>de</strong><br />
levantando polêmic<strong>as</strong> e ban<strong>de</strong>ir<strong>as</strong> acerca <strong>de</strong> tem<strong>as</strong> e problem<strong>as</strong> que tangem a política atual.<br />
Terminado esse percurso que, temporalmente, não p<strong>as</strong>sa <strong>de</strong> quarenta minutos, el<strong>as</strong> vão para frente<br />
<strong>da</strong> C<strong>as</strong>a Rosa<strong>da</strong> e uma d<strong>as</strong> Madres lê um texto <strong>de</strong> crítica e combate às posições do governo, sempre<br />
lembrando que a presença <strong>de</strong>l<strong>as</strong> ali é para que não se apague uma história <strong>de</strong> luta.<br />
Quando esse pronunciamento chega ao fim, el<strong>as</strong> e <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> que <strong>as</strong> acompanham – alguns<br />
estu<strong>da</strong>ntes, turist<strong>as</strong> que p<strong>as</strong>sam pela principal praça <strong>de</strong> Buenos Aires, ou simples transeuntes – começam a<br />
cantar juntos o que el<strong>as</strong> estão buscando: “Alerta, alerta que camina, milicos <strong>as</strong>esinos por América Latina.<br />
Alerta, alerta que camina, aparición con vi<strong>da</strong> y c<strong>as</strong>tigo a los culpables”(4).<br />
70