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Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

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Faz mais <strong>de</strong> vinte e cinco anos que muitos <strong>de</strong>sapareceram. Os números são terríveis, beirando<br />

trinta mil pesso<strong>as</strong>. Estar na praça até hoje gritando por justiça e por vi<strong>da</strong> é a maneira que el<strong>as</strong> encontraram<br />

<strong>de</strong> fazer com que essa história permaneça viva, e o corpo que não po<strong>de</strong> ser enterrado continue sua trajetória<br />

<strong>de</strong> luta junto a el<strong>as</strong>.<br />

O terror na Argentina se instaurou alguns anos antes do golpe militar <strong>de</strong> 76. Dois anos antes, já<br />

havia ameaç<strong>as</strong> e algum<strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> já estavam <strong>de</strong>saparecendo. As mulheres grávid<strong>as</strong> durante o processo<br />

foram levad<strong>as</strong> para os centros clan<strong>de</strong>stinos <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção, tiveram seus filhos roubados e muitos <strong>de</strong>stes foram<br />

entregues para adoção a pesso<strong>as</strong> ligad<strong>as</strong> ao governo(5).<br />

Então, era nesse clima <strong>de</strong> medo e ameaça que o país se encontrava. O que po<strong>de</strong>ria ser apen<strong>as</strong><br />

mais um agrupamento <strong>de</strong> pesso<strong>as</strong> na praça, em 1977, torna-se marcha, após policiais lhes gritarem<br />

“circulem, circulem”, e ess<strong>as</strong> mulheres começarem a <strong>da</strong>r volt<strong>as</strong>. O lenço branco que usam, até hoje, não<br />

simboliza a paz. Uma vez que é comum que <strong>as</strong> mães tenham alguma fral<strong>da</strong> <strong>de</strong> recor<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> seus filhos, o<br />

lenço é isso: a lembrança, o resgate e a ostentação <strong>da</strong> dor.<br />

Desacreditad<strong>as</strong> inicialmente pelos governantes, <strong>as</strong> Madres sabiam do perigo que representava a<br />

voz que el<strong>as</strong> ecoavam. Muit<strong>as</strong> foram reprimid<strong>as</strong> e houve c<strong>as</strong>os <strong>de</strong> seqüestros, como o <strong>de</strong> Azucena Lidia<br />

Villaflor De Vincenti, criadora do movimento d<strong>as</strong> Madres <strong>de</strong> Plaza <strong>de</strong> Mayo, <strong>de</strong>sapareci<strong>da</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1977. O<br />

<strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> Azucena e <strong>as</strong> constantes ameaç<strong>as</strong> ratificaram a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> estarem presentes na<br />

praça. Perseguid<strong>as</strong>, chamad<strong>as</strong> <strong>de</strong> louc<strong>as</strong> – argumento óbvio, quando é necessário anular a alteri<strong>da</strong><strong>de</strong>, visto<br />

que o discurso do “louco” é interditado socialmente –, el<strong>as</strong> resistiram em sua “agridoce” loucura, como a<br />

personagem sofocliana, e seguiram em frente. Enfrentando.<br />

A língua que está em seus gritos não é a mesma <strong>de</strong> Ismene, já que su<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> não aceitam <strong>as</strong><br />

regr<strong>as</strong> <strong>da</strong> gramática ditatorial, prescrita <strong>de</strong> norm<strong>as</strong> tiran<strong>as</strong> que <strong>de</strong>notam o pavor.<br />

Se a ditadura tentou apagar o perigo com <strong>de</strong>saparecimentos, talvez os militares não tivessem idéia<br />

do legado às avess<strong>as</strong> que eles <strong>de</strong>ixariam: su<strong>as</strong> Madres. O espaço que el<strong>as</strong> p<strong>as</strong>saram a ocupar tomou uma<br />

gran<strong>de</strong> dimensão, pois a história está sendo reescrita. N<strong>as</strong> lut<strong>as</strong>, n<strong>as</strong> march<strong>as</strong>, ou em seus escritos<br />

produzidos n<strong>as</strong> oficin<strong>as</strong> literári<strong>as</strong>, relato e testemunho se fazem presentes para reabrir a feri<strong>da</strong> <strong>da</strong> dor que<br />

não foi cura<strong>da</strong>. Pedir aparição com vi<strong>da</strong> é mais do que uma simples fr<strong>as</strong>e. É requisitar <strong>da</strong> história a parte <strong>de</strong><br />

uma memória coletiva que foi brutalmente amputa<strong>da</strong>.<br />

Neste momento, a presença <strong>da</strong> performance surge como alternativa <strong>de</strong> diálogo, uma vez que <strong>as</strong><br />

march<strong>as</strong>, nos di<strong>as</strong> atuais, ganharam um outro sentido. Por mais que el<strong>as</strong> saibam do <strong>de</strong>stino trágico que<br />

tiveram seus filhos, el<strong>as</strong> continuam na Praça, re<strong>de</strong>senhando o quadro político <strong>da</strong> Argentina e criando nov<strong>as</strong><br />

perspectiv<strong>as</strong> <strong>de</strong> discurso.<br />

Em uma dupla situação <strong>de</strong> marginali<strong>da</strong><strong>de</strong> – mulheres e latino-american<strong>as</strong> – reconhecer esses<br />

relatos é uma urgência política que acompanha o discurso crítico, que <strong>de</strong>ve cumprir, neste momento, uma<br />

tarefa duplamente <strong>de</strong>scolonizante, ao ter em sua agen<strong>da</strong> questões que tocam os preconceitos sexuais e <strong>as</strong><br />

mutilações <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência cultural.<br />

Estu<strong>da</strong>r ess<strong>as</strong> personagens é uma alternativa <strong>de</strong> possível resgate do <strong>de</strong>bate acadêmico a fim <strong>de</strong><br />

nele inserir tem<strong>as</strong> que tocam a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> em seus problem<strong>as</strong>. A relação <strong>de</strong> tal <strong>as</strong>pecto com <strong>as</strong> Madres <strong>de</strong><br />

Plaza <strong>de</strong> Mayo surge quando se abor<strong>da</strong> a questão <strong>da</strong> resistência. Com seus atos performáticos e seus<br />

relatos <strong>de</strong> experiênci<strong>as</strong> inseridos socialmente, estu<strong>da</strong>dos e, sobretudo, respeitados por seu valor histórico,<br />

são abert<strong>as</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> investigação acerca <strong>de</strong> um fenômeno que questiona <strong>as</strong> estrutur<strong>as</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e,<br />

<strong>as</strong>sim, se consoli<strong>da</strong>.<br />

Os discursos <strong>de</strong>l<strong>as</strong> ain<strong>da</strong> permitem lembrar uma outra figura literária: Scheraza<strong>de</strong>, pois esta é<br />

resgata<strong>da</strong> para que apareça uma voz que requisita ser ouvi<strong>da</strong> e, <strong>de</strong>sta forma, haja uma memória preserva<strong>da</strong>.<br />

É preciso resistir “aos ditames do rei”(PIGLIA, 1994:63), neste c<strong>as</strong>o representado pel<strong>as</strong> polític<strong>as</strong> que<br />

encerram o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> homogeneização, em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> um sistema globalizado implantado horizontalmente,<br />

sobretudo nos países latino-americanos, após a <strong>de</strong>rruba<strong>da</strong> do Muro <strong>de</strong> Berlim.<br />

Desta maneira, po<strong>de</strong>-se i<strong>de</strong>ntificar que o grito <strong>de</strong> Antígona continua a ecoar tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> seman<strong>as</strong> na<br />

praça portenha. A necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> enterrar o corpo para que a história permaneça viva e mostre o quão fraco<br />

e débil po<strong>de</strong> ser um sistema b<strong>as</strong>eado na tirania e na razão cega em nome <strong>da</strong> dominação e do po<strong>de</strong>r<br />

continuam a existir. A língua <strong>de</strong>ss<strong>as</strong> mulheres é a mesma, pois não importa a diferença lexical ou, até<br />

mesmo, idiomática. A voz que ecoa é o amor e a busca por um direito que lhes foi negado.<br />

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