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Roma e as sociedades - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ

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GERMANOS: O RAGNARÖK(1) DO IMPÉRIO ROMANO OCIDENTAL<br />

Luiz Cláudio Moniz – NEA/<strong>UERJ</strong><br />

Os germanos têm em sua essência a semente do combate. Eles po<strong>de</strong>riam perfeitamente traduzir o<br />

pensamento <strong>de</strong> Heráclito no que se refere ao (arkhé), o princípio do universo, como coloca Nietzsche: "todo o<br />

<strong>de</strong>vir n<strong>as</strong>ce do conflito dos contrários; <strong>as</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>finid<strong>as</strong> que nos parecem duradour<strong>as</strong> só exprimem a<br />

superiori<strong>da</strong><strong>de</strong> momentânea <strong>de</strong> um dos lutadores, m<strong>as</strong> não põem termo à guerra: a luta persiste pela<br />

eterni<strong>da</strong><strong>de</strong> afora." (NIETZSCHE, F. 1995, p. 42)<br />

Uma d<strong>as</strong> prov<strong>as</strong> que atestam esta relação com a guerra parece estar conti<strong>da</strong> no próprio vocábulo<br />

germanus, cuja origem é latina. Tal termo significa “homem com lança”, já que havia uma certa espécie <strong>de</strong><br />

lança que era <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> geer pelos germanos. De acordo com Gior<strong>da</strong>ni, “o vocábulo foi introduzido na<br />

língua literária pelo historiador grego Poseidonios no primeiro século <strong>de</strong> nossa era, e popularizado através<br />

dos comentários <strong>de</strong> César.” (GIORDANI, Mário, 1970, p. 15)<br />

No que diz respeito às fontes <strong>de</strong> pesquisa para o estudo <strong>de</strong>sses povos nórdicos, não existem muit<strong>as</strong> obr<strong>as</strong><br />

escrit<strong>as</strong>. As mais importantes são A guerra d<strong>as</strong> Gáli<strong>as</strong> (52 a.C.), <strong>de</strong> Júlio César, e A Germânia (98 d. C.), <strong>de</strong><br />

Tácito. Estrabão, Plínio, o Antigo, e Ptolomeu também apresentaram sínteses sobre os germanos. Existem<br />

peç<strong>as</strong> arqueológic<strong>as</strong> que fornecem pist<strong>as</strong> consi<strong>de</strong>ráveis, além <strong>de</strong> “algum<strong>as</strong> inscrições rúnic<strong>as</strong>(2) que<br />

constituem os primeiros monumentos conhecidos <strong>da</strong> língua dos germanos.”(GIORDANI, M. Op. cit., p. 10)<br />

Posteriormente surgiram <strong>as</strong> Edd<strong>as</strong>, os épicos escandinavos, que narram <strong>as</strong> aventur<strong>as</strong> dos <strong>de</strong>uses e heróis<br />

dos povos nórdicos. A Ed<strong>da</strong> poética, <strong>de</strong> autoria anônima, traz poem<strong>as</strong> <strong>da</strong>tados entre os séculos IX e XII <strong>da</strong><br />

era cristã. Já a Ed<strong>da</strong> em prosa foi escrita em 1221 d.C., pelo islandês Snorri Sturluson.<br />

A origem dos germanos é um tema que ain<strong>da</strong> causa polêmica: "para alguns estudiosos alemães, os<br />

germanos seriam o povo primitivo (Urvolk) do qual teria saído a gran<strong>de</strong> família indo-européia. Seu habitat<br />

original teria sido a Rússia Oriental. Segundo outros, os primitivos germanos seriam nórdicos 'tendo ocupado<br />

<strong>as</strong> regiões escandinav<strong>as</strong> e báltic<strong>as</strong>, por muito tempo isolad<strong>as</strong> <strong>da</strong> Europa Central pela floresta germânica, e<br />

que, na I<strong>da</strong><strong>de</strong> do Bronze, teriam recebido a contribuição <strong>de</strong> outros povos e adotado a língua indo-européia. A<br />

civilização germânica ter-se-ia constituído, então, influencia<strong>da</strong> pela dos celt<strong>as</strong> e dos ilírios e até <strong>de</strong> povos<br />

mediterrâneos'."(Ibid., p. 18.)<br />

Extremamente agressivos e <strong>de</strong> espírito aventuroso, os germanos viviam brigando, ora com vizinhos,<br />

ora com uma outra tribo e, muit<strong>as</strong> vezes, se lançavam em migrações, visando nov<strong>as</strong> terr<strong>as</strong> e novos<br />

adversários. Viviam praticamente em função dos combates e em tempos <strong>de</strong> guerra os chefes gozavam "<strong>de</strong><br />

um po<strong>de</strong>r qu<strong>as</strong>e absoluto, limitado apen<strong>as</strong> por certos direitos fun<strong>da</strong>mentais como, v.g., o dos sol<strong>da</strong>dos em<br />

relação à presa."(Ibid., p. 19.). Sua essência guerreira é tão marcante que termos ligados ao combate e às<br />

arm<strong>as</strong> utilizad<strong>as</strong> são abun<strong>da</strong>ntes n<strong>as</strong> antig<strong>as</strong> língu<strong>as</strong> germânic<strong>as</strong>.<br />

Apesar <strong>de</strong> to<strong>da</strong> essa brutali<strong>da</strong><strong>de</strong> natural, os germanos prezavam mais do que qualquer outro povo a<br />

hospitali<strong>da</strong><strong>de</strong>, como po<strong>de</strong> ser visto através do seguinte relato <strong>de</strong> Júlio César: "A violação <strong>da</strong> hospitali<strong>da</strong><strong>de</strong> é<br />

ti<strong>da</strong> por sacrilégio; os que, por uma razão qualquer, vão às su<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong>, são protegidos contra to<strong>da</strong> violência e<br />

consi<strong>de</strong>rados como sagrados; tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong> lhes estão abert<strong>as</strong>; com eles se partilham os víveres." (CÉSAR.<br />

A guerra d<strong>as</strong> Gáli<strong>as</strong>. 989, p. 142) Tal fato po<strong>de</strong> ser inclusive verificado na mitologia, quando <strong>da</strong> morte do <strong>de</strong>us<br />

solar Bal<strong>de</strong>r (Baldr ou ain<strong>da</strong> Baldur). Como ele não morreu em combate, teve que ir para Niflheim(3), pois o<br />

paraíso nórdico, ou seja, o Valhalla, era privilégio dos guerreiros caídos com honra no campo <strong>de</strong> batalha(4).<br />

Lá, a <strong>de</strong>usa Hel, guardiã <strong>de</strong>ste gélido inferno, o recebeu com tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> honr<strong>as</strong>, segundo a tradição germanoescandinava.<br />

Hermod seu meio-irmão, que se comprometeu com Frigga (mãe <strong>de</strong> Bal<strong>de</strong>r) a trazê-lo <strong>de</strong> volta,<br />

partiu para a missão disposto a oferecer um vultuoso resgate. Para tanto, <strong>de</strong> acordo com a Ed<strong>da</strong> em prosa,<br />

"trouxeram ali Sleipnir, o cavalo <strong>de</strong> Odin; Hermod montou sobre o corcel e foi-se, galopando. [...] Hermod<br />

cavalgou até alcançar os portais <strong>de</strong> Hel. Desmontou para apertar su<strong>as</strong> espor<strong>as</strong> e, montando novamente,<br />

cravou-<strong>as</strong> em seus estribos, <strong>da</strong>ndo o cavalo um salto com tanto vigor que não ficou na<strong>da</strong> perto [<strong>da</strong>li]. Então<br />

Hermod cavalgou diretamente ao palácio e <strong>de</strong>smontou. Ele entrou e lá viu seu irmão Baldr sentado no mais<br />

alto trono."( STURLUSON, S. 993, p. 121.)<br />

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