servia como um símbolo que retratava a indignação, própria da juventude da época.Em contrapartida, nossos jovens não lutam, não exigem seus direitos, se posicionammuito mais como objetos de um sistema, que os obriga a serem bem sucedidos e aadquirir todos os produtos oferecidos pelo capitalismo. Nossos jovens não morremna guerra, defendendo sua pátria e seus valores, mas morrem de overdose,respondendo aos apelos de seu corpo por uma dose de estimulação anestésica.Nossos jovens não gritam, brigam, esperneiam por seus ideais, apenas gritam epulam ao ritmo da música eletrônica para, de alguma forma, sentir que permanecemvivos, pelo menos fisicamente. Este é o cenário de uma grande parte da juventudecontemporânea.Na tentativa de desenhar um retrato do toxicômano pertencente à sociedadeatual, recorreremos aos próprios discursos daqueles que nos falam da puraexperiência sensível a fim de dar sustentação às argumentações defendidas até omomento. Para tanto, organizamos, no Quadro 2, o recorte de algumas entrevistasque muito têm a dizer sobre o que se passa no corpo e na mente desses sujeitos.As entrevistas realizadas para a pesquisa não seguiram nenhumquestionário pré-estabelecido ou um roteiro fechado de perguntas. Ao contrário,nossa proposta foi ouvir o discurso livre. Por parte da pesquisadora, o objetivo foi defazer um trabalho “artesanal”, que pudesse restabelecer as primeiras experiênciascom a droga, permitindo, assim, o espaço para emergir um discurso pulsante, cheiode vida e energia, expressando, de forma fidedigna, a vivência intoxicante. Porém,uma pergunta foi feita a todos os entrevistados: “o que você sente ao usar droga?”,uma vez que esta possibilitaria o retorno às primeiras sensações proporcionadaspela droga. Para que o leitor pudesse ter acesso a esse material, sem precisar fazera leitura de todas as entrevistas transcritas (em apêndice), trouxemos as respostasdadas à pergunta supramencionada.93
QUADRO 2 - RESPOSTA DOS ENTREVISTADOS À PERGUNTA: “O QUE VOCÊSENTE AO USAR DROGA?”No. doentrevistadoResposta à pergunta: O que você sente ao usar drogas?1 Ah, sei lá. Você perde a timidez. Fica mais solto, porque eu sou bem tímido, bem fechado,sabe. Mas quando eu bebia, ficava todo alegre, brincalhão, tudo bagunça, ai, né? Um bemestar...Vocêmuda de pessoa, fica mais corajoso, desinibido.2 Coisa melhor do mundo. Eu, extremamente tímido... Deu aquela sensação de falsaliberdade, falso prazer... Ou nem falso, porque dá prazer. Ela te dá euforia. O prazer, nocomeço demora para te dar uma queda de rendimento, um sentimento de “deprê” pós uso.Mas com o tempo, que você vai usando cada vez mais..., ela não te dá mais aquele prazer,aquela sensação que você tinha com se fosse a primeira vez. Então, o prazer que teve nocomeço da droga, em qualquer uma delas, acho que por isso que existe a dependência,acho que o fundamento da dependência está ai, porque o cara quer buscar aquele prazer docomeço e não vai ter nunca mais.3 Lembro, fiquei... Eu toda vida tive problema de timidez, então eu me sentia a vontade, mais avontade, sabe... Mais alegre, me aproximei mais dos colegas, dos amigos, amigos entreaspas, né? Porque é cada um na sua.4 Eu não lembro, faz tempo pra caramba. Ah, não sei explicar, né? Ah pra mim eu tinha doisfilho, era muito problema..., aí eu fumava e esquecia tudo. Não lembrava de Deus, nãolembrava de nada. Só queria fumar, acabava eu ia roubar, e queria fumar mais. Nempensava em nada não, nem em “trabaiá”, nem em nada não. Nem pensava em pai, nem emmãe. O crack deixa a pessoa “noiada”, né, meu! A pessoa usa e quer mais, mais, mais emais... Não satisfaz! A maconha não, “cê” fica lá morgadão e depois vai dormi.5 Ah, essa! Dá prazer né. [...] Deu uma sensação boa, né? Você começa a pensar um montede coisa rápida. Mas você usava aí já queria mais, ia buscar, depois já dava depressão. Aípra não ficar naquela depressão, conseguia dinheiro para ir comprar mais. Sentir a loucura,né? E a droga de preferência era a química mesmo. A cocaína eu não tava nem querendomais usar porque não tava dano... O efeito dela não chega nem em 10% dessa outra droga edo crack. A merla é bem mais forte e a cocaína não tava fazendo nem mais nada.6 A gente fica meio embriagado, assim. Fica meio fora do tempo. Parece que a gente fica maiscalmo, mais tranqüilo, né? A cocaína agita mais a gente, fica mais elétrico, mas a maconhanão, fica mais calmo, é tipo um calmante, assim, pra gente.7 Mas, é o sintoma, né, o cara é meio tímido, né? Uma coisa que eu sentia bem usando adroga. Falava mais, conversava e saia mais, desinibia mais. [...] Depois que eu conheci acocaína, já fui largando da maconha, porque já não fazia mais efeito, né? [...] A cocaína fazvocê falar, se abrir mais com as pessoas e a cocaína foi assim para mim. Eu sempre fuimuito tímido, eu não tinha muito papo, diálogo. E até agora eu sou e a cocaína entrava e eume sentia bem, conversava mais com as pessoas, me abria mais. [...] O crack já foitotalmente ao contrário. Não sei por que, mas... vicia mais rapidamente a gente, assim, ocrack me deixava mais fechado ainda. Eu usei crack pouco tempo, o crack foi pra me deixarpra baixo, pra me deixar no fundo mesmo.8 Logo que eu usava droga, eu ficava alegre, feliz..., mas depois que acabava eu tinha vontadede ir pra casa, deitar, dormir. Na hora que eu tava muito “louco” com a droga na cabeça eunem lembrava em mãe, em ninguém. Quando usava só queria usar mais, mas quandoacabava eu queria ta dentro da minha casa, onde eu fosse, eu queria ta lá dentro...,dormindo, fazendo qualquer coisa..., ficava com medo de ficar na rua.94
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