primeiro baseado que eu fumei, dei risada pra caramba, fiquei louco o dia inteiro, éprazeroro. Tudo é prazeroso, até o crack é prazeroso..., no começo, mas depois foi virandoagonia. [...] Ah... Quando “cê” fuma é gostoso, quando “cê” fuma é gostoso sim, se eu falarque não é... é mentira, senão ninguém ia usar, o gosto é gostoso sim, depois que “cê” fumaumas duas, três vezes... é gostoso sim. Só que essa “encanação” do crack... isso aí não égostoso não, mas beber, fumar, ouvir um som, fumar... é gostoso sim. Tem dia que é muitobom sim, o dia que eu recebia, pagava as conta da minha casa..., e ia fumar na minha casa,não devia nada pra ninguém. Comprava um litro de vinho e ficava fumando e bebendo, entãoera gostoso sim. Eu não gostava de ficar sóbrio, sobriedade nem vira, eu não agüentava ficarassim. [...] O prazer da droga é o prazer da droga.19 Só a maconha não estava me satisfazendo e eu queria outros tipos de droga, né? Pra mim...,eu na verdade queria fazer a cabeça, né? “Ah, vamos experimentar, né...? Eu quero fazeroutro tipo de cabeça, né”? [...] Eu queria viajar um pouco mais, entendeu? [...] Ah, é muitolouco a vontade! Sei lá, o negócio é esquisito..., porque na hora que dá a vontade “cê” fica semanipulando, né, tipo assim: “ah, minha família, sei lá, ou, vou dar uma relaxada paradescontrair...” É meio esquisito, “cê” explicar como é a vontade. É mesma coisa quando “cê”tá com vontade de tomar um sorvete, chupar uma bala, uma fruta, pra mim é a mesmavontade, só que tem que ver qual que faz bem para mim ou não, né? É meio difícil descrevercomo é a vontade, assim, né? É forte, é um sentimento forte. Vamos supor..., uma coisa queeu gosto muito é lazanha, não dá vontade de comer uma comida assim que você gosta,então, é quase a mesma vontade, né? Só que é bem mais forte, porque a gente sabe que ébom, né? A gente sabe que é bom. Por isso que eu falo, até hoje eu gosto, mas não meconvém usar, né? Então..., mas dá vontade bastante assim, mas eu tenho que ser forte, né?20 O álcool me dava, assim, muita agonia, eu bebia mais por uma questão de ambiente, né?Não era por uma brecha ou um problema interior meu. [...] Não gostava de tomar cerveja,whisky, porque me deixava muito louco, muito louco, me dava apagamento. Eu não gostavadessa sensação não. Mas era mais a coisa do grupo, era mais recreativo mesmo, quando eucomecei a fumar maconha eu deixei de beber. [...] A sensação do pó é o que eu sempregostei. [...] O que? A viagem do pó? Exclusivamente do pó eu vou te responder, mas assim,o que está na minha memória recente não é só a viagem do pó, é uma viagem misturada,cocaína, maconha e o álcool. Quando eu comecei a fumar maconha eu parei de usar o álcoole só fiquei na maconha, quando eu comecei a usar cocaína eu voltei a usar álcool. Pra quê?Pra me dar a manutenção da cocaína, porque me instigava muito. Eu sou um cara hiperativo,eu não paro, um cara que trabalhava 15, 16 horas por dia. Então ela me dava muita euforia,sabe, é uma viagem muito louca, ela me deixava muito louco, louco mesmo. Até nestaquestão da sexualidade, muita fantasia, sabe, que você cria. [...] Comecei como coisarecreativa mesmo. O efeito que eu gostava, sabe? E a partir do momento que eu comeceiassociar a maconha e a cocaína a algum divertimento, a praia, acampar, ir para uma boate,namorar, sexo... Tudo isso era muito mais gostoso com a droga.21 Gostava de ficar a vontade, de boa. Eu gostava de sentir aquela sensação de livre, depessoa livre mesmo, sabe? [...] A cocaína: Uma “nóia” mesmo, só vontade de cheirar maismesmo. Igual o crack, fuma a primeira, aí já era. A primeira vez que cheirei comecei a passarmal mesmo, meu coração disparou, mesmo, e eu tinha a sensação que ia morrer. Fiquei uns3 dias, assim, com o corpo doendo e falei que eu não ia cheirar mais. Fiz uma promessa quenão ia mais cheirar cocaína e não cheirei. Fiquei uns dois anos. [...] Por que eu usava?Assim, a maconha, eu já sei, é porque eu gosto. Só que o crack, quando pega no sanguemesmo, pro cabra sair, só com ajuda. [...] Rapaz, em mim o efeito era só aquela “nóia” depensar que tinha alguém, se passasse um carro, eu chegava na brecha da janela do meuquarto e ia olhar. Tinha até as mancha no meu vidro, assim, porque eu botava a mão praolhar, assim, imaginava que tinha alguém rondando a minha casa e ia olhar pra ver quemera. Eu apagava todas as luzes e ficava na porta vendo se minha mãe não tava meespionando e escutando alguma coisa atrás da porta. Eu via gente, via bicho saindo... [...] Oprimeiro tiro é muito prazeroso, você chega e dá o primeiro tiro e depois é só “nóia” mesmo, oresto é só “nóia”. O efeito mesmo é o primeiro e depois é só o organismo pedindo mais emais. [...] O cachimbo tava assim e quando chegava perto, já chegava agoniado já. Aí cêpegava pra dar o primeiro, colocava logo uma pedra em cima, inteira e fumava. Aquele97
primeiro, chegava dar aquela sensação assim....(respira fundo) e você parava. Você vê quemexe mesmo com a cabeça da pessoa, mexe mesmo. E, você muda mesmo, muda o humor,muda tudo. Você fica aquela pessoa cabreira já.22 Quando eu fumei crack parecia que eu estava energizado, vivo. Entendeu? Aquilo, naprimeira vez eu já achei fantástico e me perguntei: como pude viver sem isso por tantotempo? Só que o fantástico virou um bicho papão, começou a se avolumar, começou nosfinais de semana, depois diariamente, durante a noite. Aí, depois começou a interferir notrabalho. A sensação que me deu foi uma sensação de energia, talvez de estar vivo de novo.Típico da cocaína, mas com o crack é potencializado. [...] Acho que o único prazer foi odesaparecimento da dor, pois não dava para pensar. A sensação é terrível, a neurose éterrível, o medo é terrível, mas tudo aquilo era ocupado por um sentimento muito ruim. Eutentei usar droga para tentar amenizar aquele sentimento, mas acho que o consumo dadroga foi tão ou “mais ruim” do que aquele sentimento. Foi aí que eu comecei a usar semparar.23 Porque a cocaína eu cheirava e gostava muito de ir para as baladas. Porque você com duasgramas de cocaína você passa a noite dançando em uma boate. Em vez de você se isolar,você fica sociável, totalmente, a ponto de estar no meio de pessoas, no começo é muitoengraçado, você dança, você faz piada, você se desinibe. [...] A cocaína, fisiologicamentefalando, anatomicamente falando ela dá... não é uma convulsão, mas ela dá... Você ficatenso, sua musculatura fica tensa, agente chama “panquecar”, até que você durma, mascorporalmente, a cocaína me deixava num estado de tetânica muscular muito grande, osmúsculos ficavam muito tenso, o corpo se levantava sozinho assim, sabe? E, não conseguiadormir, às vezes estava quase dormindo e acordava. Inclusive, o cara trava, fica desfigurado,o rosto trava. [...] O efeito do crack é bombástico. Se você pega a melhor maconha, porexemplo, você vai ter aquela “lombra”, uma sensação estrondosa, que demora para passar.O crack, não, o crack é uma sensação de êxtase e de prazer. Não um prazer orgástico, masgera uma sensação de prazer inexplicável de 30 segundos, no máximo 1 minuto,dependendo do tamanho da pedra. [...] Era transgredir a mim mesmo, eu ia até onde eupudesse transgredir meu próprio corpo. Nesses últimos usos, era assim mesmo, transgredir omáximo. A minha percepção, a minha ilusão, o meu raciocínio. Sem medo de nada, só medode levar um “baculejo” da polícia.Os relatos apresentados sugerem que a droga além de produzir um prazersensitivo e indescritível, também é facilitadora de mudanças de humor, desinibe ostímidos, produz uma “mudança de identidade”: vários deles retratam a experiênciade ser uma pessoa com droga e outra sem ela. Uma mudança de identidade na qualestaria em questão a facilidade para realizar certas atividades impossíveis de seremfeitas em estado sóbrio. Diferente do que muitos pensam, para o toxicômano adroga não representa um veneno mortal, mas, serve como “remédio eficaz”, capazde disfarçar os defeitos insuportáveis; um potencializador de habilidades no início douso, permitindo realizar o trabalho de forma mais produtiva e eficaz. Osentrevistados, sempre, dizem sentirem-se mais fortes, mais corajosos, maiscapazes; algumas drogas anestesiam as dores e maximizam algumascaracterísticas: a sociabilidade, por exemplo, como vemos no caso da cocaína; o98
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“panquecar”, até que você dur