Texto completo em PDF - Museu da Vida
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RESENHA 2<br />
Inteligência Artificial<br />
Artificial Intelligence. EUA, 2001. Dir. Steven Spielberg. Com Haley Joel<br />
Osment, Frances O'Connor, Jude Law.<br />
Interessa-me pensar o filme Inteligência Artificial (2001) de Steven<br />
Spielberg e Stanley Kubrick numa só perspectiva: como signo de um<br />
t<strong>em</strong>po marcado por um discurso tecnocientífico (Araújo, 1998) cujo<br />
funcionamento sustenta a ilusão do hom<strong>em</strong> cont<strong>em</strong>porâneo <strong>em</strong> arvorar-se<br />
Deus e alcançar o impossível, intervindo na criação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> que o<br />
"ser criado" seja colocado na posição de puro objeto. Assim, não parece<br />
s<strong>em</strong> sentido que, no início do filme, tenhamos a exposição do projeto do<br />
cientista Robby (William Hurt), cujo objetivo é a produção de mecas -<br />
robôs - programados com a capaci<strong>da</strong>de humana de sentir, e cuja<br />
argumentação ressalta a criação de Adão e Eva, "programados" para amar<br />
o seu criador. Sustentado por tal analogia, o cientista vai além e idealiza a<br />
construção de um meca-filho, com a função de garantir ao outro - pai ou<br />
mãe - um amor incondicional e eterno.<br />
Na ver<strong>da</strong>de, considero esse filme um efeito sintomático de uma cultura<br />
determina<strong>da</strong> por um discurso social dominante produtor de uma<br />
mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de laço no qual o outro passa a ser tomado como objeto<br />
próprio ao gozo. E essa afirmação supõe a existência de um mal-estar<br />
cont<strong>em</strong>porâneo presentificado no discurso <strong>da</strong> ciência alia<strong>da</strong> ao<br />
capitalismo. (Laurent, 1969; Lebrun, 1997)<br />
Penso ser oportuno esclarecer que, para John McCarthy (apud<br />
Folha de S. Paulo, 02/09/2001), criador do termo inteligência<br />
artificial, o conceito de inteligência artificial deve ser<br />
compreendido como a ciência e a engenharia aplica<strong>da</strong>s à<br />
elaboração de máquinas inteligentes, <strong>em</strong> especial, programas<br />
de computadores inteligentes; e, entre seus objetivos, está<br />
atingir o mesmo nível <strong>da</strong> inteligência humana. Na ver<strong>da</strong>de, no<br />
horizonte ficcional dessa ciência, a meta máxima é a<br />
transformação desses seres <strong>em</strong> entes conscientes e com<br />
sentimentos. Nesse sentido, Rodney Brooks (apud Folha de S.<br />
Paulo, 2001), diretor do Laboratório de Inteligência Artificial<br />
do MIT, para a produção do filme A.I., afirma: "Em 20 ou 30<br />
anos, ter<strong>em</strong>os capaci<strong>da</strong>de tecnológica para construir um robô<br />
com a mesma quanti<strong>da</strong>de de computação do cérebro humano.<br />
Só não sei se nós vamos conseguir decifrar os algoritmos<br />
necessários nesse período de t<strong>em</strong>po". Entretanto, ele<br />
esclarece: "A maior parte dos robôs que ir<strong>em</strong>os construir não<br />
terá vontade própria." Penso que, nessa afirmação, se, por um lado, está d<strong>em</strong>arca<strong>da</strong> uma "íntima" relação<br />
entre os humanos e os robôs, por outro, tais "seres" caracterizam-se como objetos perfeitos para ocupar<strong>em</strong> o<br />
lugar de objeto de gozo do outro que o possui.<br />
Já há algum t<strong>em</strong>po venho refletindo a respeito <strong>da</strong> posição sintomática ocupa<strong>da</strong> pela criança como objeto <strong>da</strong>s<br />
fantasias mais fun<strong>da</strong>mentais de nossa época, com base nos conceitos de discurso e laço social, teorizados por<br />
Lacan no S<strong>em</strong>inário XVII, O avesso <strong>da</strong> psicanálise (1969). É especialmente <strong>em</strong> relação ao "discurso do<br />
capitalista" (1972) no qual se explora a estrutura desejante do sujeito fazendo crer que tudo o que lhe falta<br />
132<br />
O meca-flilho David, interpretado por Haley Joel<br />
Osment