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Texto completo em PDF - Museu da Vida

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ENTREVISTA 2<br />

Clonag<strong>em</strong> humana: alcances e limites<br />

A clonag<strong>em</strong> t<strong>em</strong> inspirado histórias literárias, filmes e furores documentados pela<br />

imprensa. No Brasil, a <strong>em</strong>issora Rede Globo não poderia ter escolhido melhor<br />

momento para exibir a novela O Clone, cuja trama abor<strong>da</strong> a polêmica clonag<strong>em</strong><br />

humana. Nesta entrevista, a geneticista e consultora <strong>da</strong> novela, Mayana Zatz, do<br />

Instituto de Genética do Genoma Humano <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de São Paulo (USP),<br />

comenta a abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>da</strong><strong>da</strong> pela novela ao assunto e sua opinião sobre o<br />

programa. Zatz é uma cientista que acredita que as pesquisas sobre clonag<strong>em</strong><br />

pod<strong>em</strong> nos levar a importantes descobertas e a salvar muitas vi<strong>da</strong>s. Em 2001, ela<br />

foi a ganhadora latino-americana do Prêmio Loréal, que t<strong>em</strong> como principal<br />

objetivo promover as mulheres na ciência. O prêmio, dedicado a cientistas<br />

mulheres que se destacam <strong>em</strong> seu continente, é promovido pela Unesco.<br />

Com Ciência: A senhora considera a novela O Clone uma maneira eficaz<br />

de fazer divulgação científica?<br />

Mayana Zatz: Não. Existe uma série de erros e a novela perdeu uma<br />

oportuni<strong>da</strong>de única de estar educando o povo. Eu posso <strong>da</strong>r alguns ex<strong>em</strong>plos.<br />

Não assisti a todos capítulos, mas entre os que assisti, algumas coisas me<br />

chamaram a atenção. A primeira foi uma <strong>da</strong>s personagens grávi<strong>da</strong>, que estava esperando uma filha, e a<br />

governanta, que disse para ela comer o que tinha vontade por que senão o bebê sairia "aguado". E o povo<br />

acredita nisso! Eu acho que tinha sido uma oportuni<strong>da</strong>de única de a grávi<strong>da</strong> dizer "olha, não é b<strong>em</strong> assim, não<br />

sai com cara de sorvete, não sai com cara de morango...", porque é isso que ouvimos <strong>da</strong>s pessoas que têm um<br />

nível cultural baixo. Esta seria a primeira oportuni<strong>da</strong>de de passar um conceito certo. A segun<strong>da</strong> coisa foi [o<br />

episódio] <strong>da</strong> pinta. Dificilmente gêmeos idênticos têm uma pinta no mesmo lugar, mas os dois gêmeos <strong>da</strong><br />

novela tinham. E o clone também. A gente sabe que a pinta normalmente é uma espécie de manifestação<br />

somática, que surge durante a vi<strong>da</strong> do indivíduo. Além disso, qu<strong>em</strong> conhece gêmeos sabe que a pinta é o que<br />

distingue um gêmeo do outro, não é? Então dois gêmeos e um clone com pinta no mesmo lugar seria<br />

praticamente impossível. A terceira coisa é a herança <strong>da</strong> pinta, que seria uma herança que vinha <strong>da</strong> mãe,<br />

passa<strong>da</strong> para os filhos homens e liga<strong>da</strong> ao cromossomo X. Se esta é uma herança dominante, liga<strong>da</strong> ao<br />

cromossomo X , a filha gêmea dela deveria ter também a pinta. Mas poderia ser uma herança recessiva,<br />

<strong>da</strong>quelas que só hom<strong>em</strong> t<strong>em</strong> e a mulher não. De qualquer maneira, não conhec<strong>em</strong>os nenhuma característica<br />

liga<strong>da</strong> ao X que seja para a produção de pintas. Poderia ter sido <strong>da</strong>do um ex<strong>em</strong>plo real, como o <strong>da</strong>ltonismo, e<br />

aproveitar para educar a população sobre o que é uma herança recessiva. Outra oportuni<strong>da</strong>de que se perdeu.<br />

Finalmente, outra coisa que me chamou a atenção, e pode trazer probl<strong>em</strong>as éticos, foi o fato de se repetir na<br />

novela que o menino que nasceu <strong>da</strong> Deusa [personag<strong>em</strong> negra] é muito branco para ser filho dela. Sab<strong>em</strong>os<br />

que um casal negro ou mulato, pode perfeitamente ter um filho branco, assim como ter um filho negro! A<br />

minha preocupação é que esse tipo de comentário interfira no relacionamento de muitos casais mulatos ou<br />

negros que têm filhos brancos. Os coitados dos maridos vão começar a achar que aquele filho não é dele! Essa<br />

é uma situação que v<strong>em</strong>os muito <strong>em</strong> casos de albinismo, que são mais comuns <strong>em</strong> casais <strong>da</strong> população negra<br />

do que <strong>da</strong> branca. Infelizmente na novela se perdeu uma oportuni<strong>da</strong>de de ensinar conceitos reais.<br />

Com Ciência: Na edição de nov<strong>em</strong>bro de 2001, o Jornal <strong>da</strong> Ciência, <strong>da</strong> SBPC (Socie<strong>da</strong>de Brasileira<br />

para o Progresso <strong>da</strong> Ciência) fez um levantamento sobre o que alguns telespectadores de O Clone<br />

achavam que era clonag<strong>em</strong>. Uma destas pessoas respondeu "É infinito". O que a senhora acha desta<br />

afirmação?<br />

Zatz: Eu acho que a clonag<strong>em</strong> pode ser realmente a ilusão de não morrer. Achar que se está perpetuando<br />

através <strong>da</strong> clonag<strong>em</strong>. Você vai se clonando e aí continua a vi<strong>da</strong>. Mas isto é uma ilusão, obviamente, porque um<br />

clone nunca vai ser a mesma pessoa.<br />

Com Ciência: A novela expõe a imag<strong>em</strong> de um cientista (Albieri) que está muito interessado <strong>em</strong><br />

realizar sua experiência de clonag<strong>em</strong>, mas não se importa muito com as conseqüências. A senhora<br />

acredita que esta imag<strong>em</strong> afeta negativamente a imag<strong>em</strong> dos cientistas?<br />

Zatz: Se afetar negativamente eu acho ótimo! Aliás, acho que existe um pouco desta imag<strong>em</strong> de cientista<br />

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