15.04.2013 Views

O Riso no Mundo Antigo - NUCLAS

O Riso no Mundo Antigo - NUCLAS

O Riso no Mundo Antigo - NUCLAS

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

mático, traz o leitor para a cena, passando este a se ver <strong>no</strong>s personagens e a tomar<br />

posições, muitas vezes não as daqueles que são os fi lósofos do texto (Sócrates,<br />

Estrangeiro de Eléia), mas dos interlocutores, que por vezes apresentam teses que<br />

são contrapostas e falsas. Quando isso acontece, percebe-se que Platão lança mão<br />

de um outro artifício para fortalecer a refutação a essas teses, o uso da ironia 233 .<br />

Há um potencial irônico presente <strong>no</strong>s diálogos socrático-platônicos 234 . Em<br />

meio aos jogos conceituais, vemos expressas situações de sarcasmo, tanto por<br />

parte de Sócrates, quanto por parte de seus “adversários”. Impara 235 considera que<br />

a etimologia do termo “ironia” tenha, após Sócrates, amealhado uma co<strong>no</strong>tação<br />

positiva, de estímulo à elaboração de <strong>no</strong>vos signifi cados, embora não tenha desaparecido<br />

<strong>no</strong>s diálogos socráticos a associação do conceito de ironia com o de um<br />

tipo de gracejo, que poderia se tornar uma zombaria.<br />

Os personagens, pela ironia, acabam sendo ridicularizados, ou seja, apresentados<br />

como dig<strong>no</strong>s de riso, visto tamanho absurdo ser aquilo que defendem. Não<br />

há menção explícita de uma intenção, por parte de Platão, de tornar essas cenas risíveis,<br />

mas na verdade o que sabemos é que um leitor acaba por se rir das situações<br />

e gracejos, dos quase “insultos disfarçados” que os personagens trocam entre si.<br />

Um desses episódios, que tem a marca da ironia e do riso, é a conhecida discussão<br />

fi losófi ca e sarcástica entre Sócrates e Trasímaco, <strong>no</strong> Livro I da República, que<br />

pretendemos agora analisar.<br />

O contexto literário do Livro I da República<br />

A da República 236 , um dos diálogos mais lidos de Platão, em seu Primeiro<br />

Livro, começa com o personagem Sócrates fazendo uma narrativa da sua ida com<br />

233 Historicamente, a ironia pode ser caracterizada como mola propulsora de obras fi losófi<br />

cas e literárias, tais como Cândido, de Voltaire, e a Montanha Mágica, de Thomas Mann.<br />

234 Nietzsche, <strong>no</strong> Crepúsculo dos Ídolos, diz que há uma carga afetiva <strong>no</strong> uso da ironia na<br />

fi losofi a socrático-platônica, que não pode ser desconsiderada.<br />

A ironia de Sócrates é uma expressão de revolta? De ressentimento da plebe? À medida<br />

que se é um dialético, tem-se um instrumento impiedoso nas mãos. Com ele podemos<br />

cunhar tira<strong>no</strong>s e ridicularizar aqueles que vencemos. O dialético lega ao seu adversário a<br />

necessidade de demonstrar que não é um idiota: ele o deixa furioso, mas ao mesmo tempo<br />

desamparado. O dialético despotencializa o intelecto de seu adversário. Como? A dialética<br />

é apenas uma forma de vingança em Sócrates? (NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos<br />

Ídolos - ou como fi losofar com o martelo. Tradução de Marco Antonio Casa Nova. São<br />

Paulo: Editora Relume Dumará, 2001, p.20-21)<br />

235 IMPARA, Paolo, (2000). Kierkegaard interprete dell’ironia socrática. Roma: Armando<br />

editore, p. 40.<br />

236 Usaremos a tradução da República feita por J. Guinsburg. (PLATÃO. A República.<br />

Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2006).<br />

154

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!