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O Riso no Mundo Antigo - NUCLAS

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epresentavam um desejo utópico de libertação das interdições e hierarquias que<br />

dominavam o sistema ofi cial. E é nesse contexto que Bakhtin acentua como o carnaval<br />

do período medieval punha o mundo de ponta cabeça, exaltando os loucos<br />

e desdenhando o poder das autoridades. Como uma espécie de revanche popular,<br />

a elite opressora era alvo das zombarias por parte dos oprimidos. Carnavalizando<br />

tudo, o povo vivia intensamente os dias de festa, que lhes permitia questionar<br />

livremente os poderes terre<strong>no</strong>s.<br />

Ilustrando seus argumentos, Bakhtin lembra, por exemplo, que as constantes<br />

alusões ao baixo corporal na cultura popular têm como objetivo precípuo reduzir<br />

as distâncias entre o povo e o sagrado, este mo<strong>no</strong>polizado pela Igreja. Assim,<br />

afastando-se da cabeça, sede da racionalização, o movimento em direção ao baixo<br />

corporal corresponde a um afastamento do alto, do céu, do mundo dominado pela<br />

Igreja, que utilizava o mistério ligado ao além para oprimir o povo com a ideia<br />

de pecado e punição além-túmulo. Dessa forma, os excrementos, a glutonaria, o<br />

sexo, etc. são fi gurações do terre<strong>no</strong>, da vida que o povo conhecia, ao contrário do<br />

sublime, mundo a que só a Igreja e a elite tinham acesso.<br />

Como mostra Bakhtin, Rabelais soube explorar como nenhum outro as potencialidades<br />

libertadoras do riso popular. Assim, obras como Pantagruel e Gargantua,<br />

escritas pelo francês, estão repletas de passagens em que são descritos os<br />

excessos, as alusões ao baixo corporal e às necessidades fi sológicas, a glutonaria,<br />

as expressões obscenas e tantas outras marcas dessa cultura carnavalesca. E, guardadas<br />

as devidas proporções, ecos dessa cultura chegaram até nós, sendo expressos<br />

de várias formas. Assim, como veremos a seguir, o cordel de gracejo é uma<br />

das manifestações populares que traz reminiscências da cultura expressa tão vividamente<br />

nas obras de Rabelais e aludidas por Bakhtin na obra aqui mencionada.<br />

2 Expressões da Carnavalização em Cordéis de Gracejo Nordesti<strong>no</strong>s.<br />

Vinculado à longa tradição popular, o cordel <strong>no</strong>rdesti<strong>no</strong> registra muitos elementos<br />

presentes em obras bastante antigas de autores identifi cados com o povo.<br />

Em Portugal, por exemplo, a origem do cordel se liga à escola de Gil Vicente, tido<br />

como o criador do teatro popular. No Brasil, obras como O auto da Compadecida,<br />

de Aria<strong>no</strong> Suassuna, reforçam essa ideia, tendo em vista que muitos aspectos dessa<br />

peça, cuja origem remonta ao cordel, são semelhantes aos presentes na obra do<br />

dramaturgo lusita<strong>no</strong>. É nessa perspectiva que observamos <strong>no</strong>s cordéis de gracejo a<br />

presença de elementos que guardam proximidades com aqueles identifi cados nas<br />

obras de autores medievais e renascentistas, como François Rabelais.<br />

Em primeiro lugar, convém destacar que é muito comum <strong>no</strong>s cordéis de<br />

gracejo as alusões ao baixo corporal, com ênfase para o ânus e os órgãos genitais.<br />

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