15.04.2013 Views

O Riso no Mundo Antigo - NUCLAS

O Riso no Mundo Antigo - NUCLAS

O Riso no Mundo Antigo - NUCLAS

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

o caráter da mimese cômica. A “essência do riso”, por assim dizer, aparece em face<br />

do inferior, do tolo e do louco (traduções possíveis para móros), ao constatar que<br />

o “riso vem da ideia de sua própria superioridade” 421 . De acordo com Baudelaire,<br />

o riso pressupõe o seguinte “ponto de partida: eu não caio; eu caminho direito; eu,<br />

meu pé é fi rme e seguro” 422 , em face a alguém que leva um tombo e vai ao chão,<br />

diante de meus olhos. Desse modo, a imitação do tolo e o ridículo na comédia vai<br />

se transformar <strong>no</strong> maior instrumento de correção política e reprimenda moral,<br />

corroborando isso duas pressuposições que tínhamos aventado: 1) o teatro descortina<br />

às pessoas humanas sua condição de ação; 2) e possui as condições para<br />

corrigir, à força da ridicularização, os membros da comunidade política que estejam<br />

de alguma forma contradizendo essa mesma comunidade, seja em vistas de<br />

objetivos privados, seja por mera ig<strong>no</strong>rância de como se deve agir numa pólis.<br />

Nas Leneias de 424 a. C., é isto o que Aristófanes almeja alcançar com sua<br />

peça, vitoriosa, Os cavaleiros 423 . O enredo da peça se resume <strong>no</strong> modo como dois<br />

escravos, sendo objeto de perseguição e violência de um terceiro, conseguem,<br />

como que por milagre, livrarem-se daquele. Os escravos representam os generais<br />

Demóstenes e Nícias, e o outro escravo, Pafl agônio, a Cleão, o demagogo mais<br />

popular e infl uente na Atenas da segunda metade do século V a. C. As três personagens<br />

são serviçais do Povo, que é espoliado diariamente pela “compra ruim<br />

da última hora” 424 , o Pafl agônio. O resultado, contrariando todo o tom realista da<br />

peça, é o fi m utópico em que o salsicheiro a ocupar o cargo de “Cleão”, trata o<br />

Povo com tanto amor e respeito, que o senhor volta à glória e juventude do passado<br />

de Atenas, identifi cado com os tempos anteriores à Guerra do Peloponeso.<br />

O que chama a atenção em Os Cavaleiros não é tanto isso, mas o modo<br />

como os demagogos são caracterizados, como bufões rudes e ig<strong>no</strong>rantes, que, um<br />

à sucessão dos outros, vão cada vez piorando, de modo a ensejar o ditado de que<br />

um sucessor demagogo não pode ser melhor que seu antecessor. A constante referência<br />

à comida e à tese de que a comida atrapalha o raciocínio, pois tudo o que os<br />

demagogos fazem pelo Povo é alimentá-lo, ou melhor, empanturrá-lo, são pa<strong>no</strong>s<br />

de fundo marcantes para o desenrolar do enredo. O resultado, ao fi m e ao cabo, é a<br />

caricatura política de um dos cargos mais importantes da Atenas em guerra. Se levarmos<br />

em consideração o que pensa Schiller, essa caricatura é muito salutar para<br />

a esfera da liberdade, pois os vícios que a corrompem são aqui extirpados, assim<br />

421 BAUDELAIRE, Charles. Escritos sobre arte. Tradução de Plínio Augusto Coêlho.<br />

Hedra. São Paulo – 2010, p. 40.<br />

422 Idem, p. 41.<br />

423 ARISTÓFANES. Os cavaleiros. Tradução de Maria de Fátima de Sousa e Silva. Instituto<br />

Nacional de Investigação Científi ca. Lisboa – 1985.<br />

424 Idem, p. 35.<br />

259

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!