josé da silva carvalho - DSpace CEU

Julho.—Dia 21.—Fallei com o conde de Thomar sobre o ne­
gocio do titulo de conde, elle instou para que eu acceitasse; respon-
di-lhe que eu o nao podia acceitar, porque o tinha já recusado a
El-Rei D. Joáo VI e á mesma Rainha, e que agora muito mal me
fícaria se tal fizesse; que eu desejava morrer com o nome que meu
honrado pae me poz na pia do baptismo; e por ultimo, que na occasiáo
da revolucáo de 20, de que eu fui um dos primeiros auctores, logo
com os meus companheiros declaramos que nao queríamos nem honras
nem fazenda por tal feito.
valeceu a influencia da faccáo da Rainha, inutilisando o prestigio dos liberaes
que privavam com El-Rei.
Como era natural, com a predileccáo do monarcha por José da Silva Carvalho—o
seu secretario bonito, como elle por brincadeira lhe chamava—contrastava
o odio mortal que lhe criou D. Carlota Joaquina desde que viu quao baldados
seriam os esforços que porventura continuasse a empregar para o indispor com
o marido e attrahir ao partido apostólico. Este odio nao foi estranho a urna cilada
de que Silva Carvalho ia sendo victima, se o nao salvasse a pericia do seu
bolieiro. Previsto, e á cautela, conduzia elle a todo o trote pela estrada de Queluz
os machos da sege em que o ministro da justiça voltava para Lisboa depois de
ter conferenciado com El-Rei, quando lhe sahiram ao caminho os sicarios dos
conspiradores do paco. Apenas viu surgir o primeiro vulto no campo, ao lado
da estrada, o desembaraçado rapaz largou a parelha em vertiginosa carreira. Ao
estacal-a á porta de seu amo, um dos machos cahiu rebentado.
Depois d'esta tentativa de assassinato, nunca mais El-Rei consentiu que o
seu ministro sahisse de Queluz sem ir acompanhado por urna forte escolta. E
tanto receava pela vida do homem a quem sinceramente se affeiçoara, que
muitas vezes exigiu que nao voltasse de noite para Lisboa. Mam lava entao
(quando este caso se dava) estender um colchao junto do seu proprio leito para
que o seu ministro ali ficasse perto d'elle. Talvez tanto para o proteger como
para ser protegido pelo valente beiráo! Pobre Rei!
Em 1823, estando de cima a faccáo da Rainha, teve Silva Carvalho de fugir
para Inglaterra. A alguem ordenou entáo El-Rei que lhe mandasse entregar
20:000 cruzados, para lhe diminuir as agruras do exilio. O dinheiro sahiu effectivamente
do cofre real, mas Silva Carvalho nunca o recebeu. Muitas vezes lhe
ouviram dizer: «Parece impossivel que El-Rei mostrando-se táo meu amigo me
nao tenha valido !» Annos depois contou a infanta D. Izabel Maria ao marquez de
Fronteira que El-Rei D. Joáo VI se queixara em varias occasioes da ingratidáo
de Silva Carvalho por lhe nao ter agradecido o auxilio que elle lhe prestara em
táo sincera amizade; e pediu-lhe que indagasse pela familia do antigo ministro
da justiça se elle tinha ou nao recebido os celebres 20:000 cruzados.
Com muita satisfacáo transmittiu o marquez a D. Izabel Maria a verdade,
que lavava de um desdoiro a memoria do homem de quem fóra amigo. Mostrou-se
a infanta indignadissima e muito pezarosa por nao se ter desfeito em tempo o
deploravel equivoco que fóra para seu pae causa de magua e motivo de um
injusto conceito!