09.05.2013 Views

Memórias de Padre Germano

Memórias de Padre Germano

Memórias de Padre Germano

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

tive em minha vida, só um pecado cometi, se é que amar é um<br />

<strong>de</strong>lito.<br />

Os sinais da febre contagiosa já <strong>de</strong>ixavam marca em seu<br />

pálido semblante, e corri como um louco para pedir à ciência a<br />

vida daquela mulher que tanto me havia querido e que tanto eu<br />

havia amado. Mas a ciência (graças a Deus) não escutou meus<br />

impru<strong>de</strong>ntes rogos e, dois dias <strong>de</strong>pois, morreu a jovem<br />

duquesa, dizendo-me: “Quero que me enterrem no cemitério<br />

<strong>de</strong>sta al<strong>de</strong>ia, quero estar a vosso lado morta, já que não pu<strong>de</strong><br />

estar em vida‟:<br />

Que mistérios guarda o coração humano! Quando joguei um<br />

punhado <strong>de</strong> terra em sua sepultura quase me julguei feliz.<br />

Como é egoísta o homem!<br />

Quando a menina pálida coroada <strong>de</strong> brancos jasmins, cheia<br />

<strong>de</strong> inocência e <strong>de</strong> amor, me brindou com a taça da vida, eu<br />

recusei o néctar da felicida<strong>de</strong> e invejei o homem que a levasse<br />

ao altar.<br />

Quando a nobre dama cercada <strong>de</strong> opulenta família me disse<br />

que morria me amando, invejei os seus, que po<strong>de</strong>riam receber<br />

seu último suspiro e emprestar a seu corpo todo o luxo das<br />

pompas humanas.<br />

Quando aquela mulher, sozinha, cercada <strong>de</strong> seres<br />

estranhos que fugiam, temerosos <strong>de</strong> se contagiar, me pediu um<br />

cantinho no cemitério <strong>de</strong> minha al<strong>de</strong>ia; quando vi que ninguém<br />

podia me arrebatar suas cinzas, porque <strong>de</strong> próprio punho<br />

<strong>de</strong>ixou escrito que seu corpo não fosse extraído da humil<strong>de</strong><br />

sepultura que <strong>de</strong>sejava, oh, então, recebi suas últimas palavras<br />

com mágico êxtase. Sua primeira confissão foi para me dizer<br />

que me amava e sua última confissão foi para repetir que<br />

minha lembrança havia sido o culto <strong>de</strong> sua vida.<br />

Nem um instante me afastei <strong>de</strong> seus restos. Os pobres<br />

habitantes <strong>de</strong> minha al<strong>de</strong>ia, dizimados pela febre, espantados<br />

pela mortanda<strong>de</strong>, tendo morrido o coveiro, os poucos que me<br />

restavam não queriam tocar os mortos, e Miguel e eu<br />

<strong>de</strong>positamos em uma vala o corpo da mulher pálida. Sultão se<br />

<strong>de</strong>itou aos meus pés.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!