09.05.2013 Views

Memórias de Padre Germano

Memórias de Padre Germano

Memórias de Padre Germano

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Por qual estranho mistério, manuscrito querido, não tracei<br />

em tuas amareladas folhas as impressões <strong>de</strong> um<br />

acontecimento que marcou época em minha vida? Por que<br />

algumas vezes, ao tomar a pluma e ao pensar naquele<br />

<strong>de</strong>sventurado, minha mão tremeu e não pu<strong>de</strong> formar uma única<br />

letra? Por que tive medo, como se houvesse sido um<br />

criminoso? Por que em minhas orações, ao pronunciar seu<br />

nome, minha voz sufocou em minha garganta e emu<strong>de</strong>ci,<br />

temendo que as pare<strong>de</strong>s do templo repetissem minhas<br />

palavras? Pela primeira vez em minha vida fui fraco, e quero<br />

vencer minha fraqueza, quero acrescentar uma página ao livro<br />

<strong>de</strong> minhas confissões e <strong>de</strong> minhas lembranças. Quero que os<br />

homens saibam a <strong>de</strong>sventurada história <strong>de</strong> um espírito rebel<strong>de</strong><br />

cujo nome verda<strong>de</strong>iro nem mesmo a ti, manuscrito querido,<br />

<strong>de</strong>vo confiar. Mas quero <strong>de</strong>ixar consignado o fato para<br />

<strong>de</strong>monstrar que o tempo não é o <strong>de</strong>us Saturno <strong>de</strong>vorando<br />

ansiosamente seus filhos, e sim o alento <strong>de</strong> Deus fecundando<br />

os universos do infinito.<br />

Chove já. A água bate nos esver<strong>de</strong>ados vidros <strong>de</strong> minha<br />

janela e parece que essas gotas me dizem: "Tu te lembras?"<br />

Sim, eu me lembro, sim. Era uma tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> primavera e a<br />

estação das flores (como mulher caprichosa) havia se<br />

envolvido no manto do inverno. Chovia a cântaros. As nuvens,<br />

carregadas <strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixavam cair sobre a Terra raios<br />

<strong>de</strong> fogo. 0 furacão arrancava pela raiz as árvores centenárias,<br />

que voavam pelo espaço com a rapi<strong>de</strong>z do pensamento. As<br />

casas da al<strong>de</strong>ia tremiam como se tivessem febre; seus tetos,<br />

ao <strong>de</strong>sabar, soltavam um gemido e o vento, como insaciável<br />

monstro, <strong>de</strong>vorava-as em sua veloz corrida. A igreja estava<br />

cheia <strong>de</strong> fiéis que rezavam angustiados pedindo a Deus<br />

misericórdia, e eu estava em meu oratório entregue à mais<br />

triste meditação, pedindo ao Eterno que, se algum ser daquela<br />

al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>vesse morrer naquele terrível momento, que fosse eu<br />

o escolhido, árvore seca que a ninguém dava sombra, e que<br />

<strong>de</strong>ixasse os outros anciãos, que eram árvores frondosas a cuja<br />

sombra benéfica se abrigavam duas gerações. Pensava nos<br />

marinheiros que lutavam com as embravecidas ondas, contava<br />

e recontava e não conseguia somar os gemidos <strong>de</strong> agonia que<br />

naqueles críticos instantes centenas <strong>de</strong> famílias arruinadas

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!