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Memórias de Padre Germano

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que nunca lhe pedisse uma esmola, dividiam comigo seu preto<br />

e pouco pão. Os responsáveis por meus dias abandonaram a<br />

al<strong>de</strong>ia e não sei on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scansam seus restos.<br />

Os pescadores me chamavam <strong>de</strong> pequeno profeta, porque<br />

eu augura- va quando haveria tempesta<strong>de</strong>, e meu prognóstico<br />

nunca falhava, embora se tratasse <strong>de</strong> coisas que nem eu<br />

mesmo entendia.<br />

Um ano <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> estar sozinho no mundo, cem penitentes<br />

negros vieram se estabelecer na velha abadia que coroava a<br />

montanha, gigantesca atalaia cujas maciças torres sempre<br />

estavam envoltas por um manto <strong>de</strong> bruma. Algumas vezes os<br />

pescadores me mandavam ao mosteiro com os peixes que<br />

mais agradavam a comunida<strong>de</strong>, e sempre que eu entrava<br />

naquela mansão sombria sentia uma espécie <strong>de</strong> repulsa.<br />

Quando saía, corria como se alguém me perseguisse, e isso<br />

que os pais <strong>de</strong> meu fiel Sultão, que eram dois lindos cães <strong>de</strong><br />

Terranova, me acariciavam ao entrar e ao sair. Mas, apesar <strong>de</strong><br />

tão po<strong>de</strong>roso chamado, minha aversão aos homens negros<br />

podia mais e eu fugia <strong>de</strong>les. Mas um dia (nunca esquecerei)<br />

errei o caminho; confundi um corredor e entrei em um gran<strong>de</strong><br />

salão cercado <strong>de</strong> estantes on<strong>de</strong> havia muitos livros, muitos<br />

feixes <strong>de</strong> amarelados pergaminhos e rolos <strong>de</strong> papiro. Dois<br />

monges estavam lendo, e eu, ao vê-los ler, como se aquilo<br />

fosse para mim uma verda<strong>de</strong>ira revelação, aproximei-me do<br />

mais velho, toquei seu ombro e, sem medo algum, disse:<br />

Eu quero ler como vós le<strong>de</strong>s. Quereis me ensinar? Eu logo<br />

apren<strong>de</strong>rei.<br />

O ancião olhou para mim e seu companheiro lhe disse:<br />

Este é o menino abandonado pelos pais <strong>de</strong> quem já vos falei<br />

mais <strong>de</strong> uma vez.<br />

Não há abandonados no mundo, porque a religião é a mãe<br />

<strong>de</strong> todos - replicou o ancião. - Menino - acrescentou, olhandome<br />

fixamente Deus te guiou, sem dúvida, fazendo-te chegar a<br />

mim. A madre Igreja te acolhe em seu seio. A partir <strong>de</strong> hoje<br />

viverás na abadia.<br />

Deixai que me <strong>de</strong>speça <strong>de</strong> meus benfeitores - disse eu.

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