Letras Vernáculas - EAD - Uesc
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Sintaxe da Língua Portuguesa<br />
Sintaxe tradicional: problemas de ordem conceitual e estrutural - Parte I<br />
Em 10a, o verbo em questão é o transitivo direto,<br />
em contraste com o verbo de ligação em 10b, que, na<br />
verdade, tem também o mesmo comportamento do verbo<br />
“comprar”. A propósito, naturalmente, alguns falantes<br />
apontam que “uma estátua” em 10b seria, na verdade,<br />
objeto direto, pois a pergunta que se faz ao verbo “parecer”<br />
é a mesma que utilizamos para o verbo “comprar”:<br />
“Maria comprou o quê?” “Maria parecia o quê?”<br />
A propósito dessa problemática, Perini (1992,<br />
1996) também a destaca, lembrando que, na prática, os<br />
verbos podem ocorrer transitivamente ou não. Para explicar<br />
isso, ele considera os seguintes exemplos:<br />
(11) a. Meu gato já comeu todo o mingau.<br />
b. Meu gato já comeu.<br />
c. Meu gato quase não come.<br />
Como você deve notar, “comer” ora exige a presença<br />
de um objeto direto (11a), ora recusa-o, como ilustram<br />
11b e 11c. Esse mesmo comportamento também se observa<br />
com o verbo “dormir”, que pode ser tanto intransitivo<br />
(12a) quanto transitivo (12b):<br />
(12) a. Marineuza dormiu.<br />
b. Marineuza dormiu um sono tranquilo.<br />
De acordo com Perini (1996, p. 162), particularidades<br />
como essas têm levado alguns autores a sugerirem<br />
que “a transitividade não seria propriedade dos verbos,<br />
mas antes dos próprios contextos, ou de verbos em determinados<br />
contextos”. Inclusive Cunha e Cintra (1985, p.<br />
134), embora não aprofundem a discussão, reconhecem<br />
essa variabilidade da predicação verbal e afirmam que “o<br />
mesmo verbo pode estar empregado ora intransitivamente,<br />
ora transitivamente; ora com objeto direto, ora com<br />
indireto”. Os autores usam como exemplo o verbo “perdoar”:<br />
(13) a. Perdoai sempre. (intransitivo).<br />
b. Perdoai as ofensas. (transitivo direto).<br />
c. Perdoai aos inimigos. (transitivo indireto).<br />
d. Perdoai as ofensas aos inimigos. (transitivo<br />
direto e indireto).<br />
Fazendo referência à afirmação de Cunha e Cintra,<br />
Sobre essa questão que estamos tratando,<br />
Azeredo (1995, p. 75) diz:<br />
Tradicionalmente, a oposição<br />
transitivo/intransitivo tem sido<br />
tratada como uma diferença de<br />
modos de significação do conteúdo<br />
léxico do verbo: verbos<br />
como nascer, voar, sorrir se dizem<br />
intransitivos porque significam<br />
processos em si mesmos<br />
completos (...); já os verbos<br />
anular, conter, resumir se dizem<br />
transitivos porque significam<br />
processos que só se completam<br />
mediante uma informação adicional<br />
(...) O problema principal<br />
desse critério é deixar sem explicação<br />
a possibilidade de muitos<br />
verbos ocorrerem ora com o<br />
objeto, ora sem ele, como nos<br />
seguintes pares de exemplos:<br />
204a: Ana está escrevendo no<br />
quarto<br />
204b: Ana está escrevendo cartas<br />
no quarto<br />
205a: Miguel não bebe durante<br />
a refeição<br />
205b: Miguel não bebe nem um<br />
copo d’ água durante a<br />
refeição<br />
Estes pares de exemplos mostram<br />
que escrever e beber ‘admitem’<br />
objetos, mas não os<br />
‘exigem’.<br />
Conforme o apontamento do autor,<br />
podemos afirmar que o falante da<br />
língua tem o conhecimento da regra<br />
de que um objeto pode ser ou não<br />
selecionado por um verbo. Portanto,<br />
quando, por exemplo, explicita um<br />
objeto é porque tem consciência de<br />
que o sistema de sua língua permite<br />
empregá-lo.<br />
65 Módulo 4 I Volume 2 <strong>EAD</strong>