Letras Vernáculas - EAD - Uesc
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Sintaxe da Língua Portuguesa<br />
Gramática Gerativa: fundamentos epistemológicos básicos<br />
criança aprender tanto sobre uma língua se ela tem<br />
acesso apenas a dados fragmentados, truncados e<br />
incompletos de realidade?<br />
Vou esclarecer: a criança tem contato, ao mesmo tempo, com<br />
várias situações fragmentadas de língua. Por exemplo: numa determinada<br />
situação, ela ouve, ao mesmo tempo, o pai e a mãe conversando;<br />
os irmãos gritando; a babá lhe oferecendo comida; conversas<br />
veiculadas pela TV; o carro de som passando pela rua anunciando<br />
algo... Enfim, são vários fragmentos de realidades com que<br />
ela tem contato ao mesmo tempo. Mesmo diante de tudo isso (que<br />
caracteriza a chamada “pobreza de estímulo”, conforme Chomsky),<br />
é capaz de produzir formas e construções linguísticas sistemáticas,<br />
seguindo regras lógicas e consistentes.<br />
Esclarecendo mais o dilema: o tempo que a criança leva para<br />
adquirir uma língua é relativamente curto. Uma criança de quatro<br />
anos já domina, e muito bem, a gramática de sua língua. Basta<br />
prestar atenção às crianças ao nosso redor. Como falam!!! Se o<br />
aprendizado fosse por imitação, como pressupunham os behavioristas,<br />
elas levariam um tempo muito maior para aprender uma língua.<br />
Outra evidência em favor desse sistema mental diz respeito<br />
ao fato de a criança produzir enunciados que nunca ouviu de<br />
seus interlocutores. Para entender isso, veja as construções abaixo,<br />
atentando para as palavras em destaque:<br />
(5) a. Eu tomi o suco.<br />
b. Eu já volti da colinha, mamãe.<br />
c. Ela já fazeu meu leite.<br />
d. Ele está morrido?<br />
Essas formas, produzidas por uma criança de três anos e meio,<br />
apesar de não corresponderem à gramática de um adulto (lembrese:<br />
um adulto, mesmo que não seja escolarizado, não produzirá essas<br />
formas), são perfeitamente interpretáveis. Elas evidenciam que<br />
a criança faz associações com outras formas de que tem conhecimento,<br />
que já fazem parte da sua gramática internalizada. Ou seja,<br />
o raciocínio é mais ou menos assim: se falo comi, saí; logo, são possíveis<br />
tomi e volti. Se falo comeu, bebeu; falo fazeu. Se falo corrido,<br />
vivido; falo também morrido. Percebe que o raciocínio dela é muito<br />
mais lógico do que o raciocínio feito por aqueles que prescreveram<br />
os diferentes paradigmas verbais? Com certeza, se nos baseássemos<br />
no raciocínio de uma criança (que se comporta, na verdade, como<br />
um pequeno linguista), poderíamos ter gramáticas descritivas muito<br />
98 Módulo 4 I Volume 2 <strong>EAD</strong>