Letras Vernáculas - EAD - Uesc
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Sintaxe da Língua Portuguesa<br />
A classe proposta por<br />
Perini (1986) é chamada<br />
de “aceitação livre”. Para<br />
saber detalhes disso, recomendo<br />
ler o capítulo 6,<br />
“Transitividade, regência<br />
e concordância”, do seu<br />
livro: Gramática descritiva<br />
do português. São<br />
Paulo: Ática, 1996.<br />
Assim como os verbos, os nomes<br />
também têm as suas restrições selecionais.<br />
Veja isso a partir dos contrastes<br />
que se seguem:<br />
a) Maria tem medo de fantasma.<br />
*Maria tem medo o fantasma.<br />
*Maria tem medo com fantasma.<br />
b) O filho da Maria sofreu um acidente<br />
de carro.<br />
*O filho a Maria sofreu um acidente<br />
o carro.<br />
Maria tem medo de quê? Certamente<br />
é essa a pergunta que você faria;<br />
logo, os outros dois enunciados são<br />
totalmente agramaticais, tendo em<br />
vista que medo não exige um complemento<br />
precedido de artigo (o fantasma),<br />
nem a preposição com (com<br />
fantasma). O filho de quem? Conforme<br />
o contraste, a resposta só pode<br />
ser “o filho da Maria”. Sofreu um acidente<br />
de quê? Como vê, só pode ser<br />
“de carro”.<br />
Sintaxe tradicional: problemas de ordem conceitual e estrutural - Parte I<br />
de que a transitividade não seria propriedade dos verbos, mas dos<br />
próprios contextos ou de verbos em determinados contextos, Perini<br />
(1996) argumenta que, se assumirmos isso, teríamos como consequência<br />
o esvaziamento da noção de transitividade, tornando-a supérflua.<br />
Segundo ele, há necessidade de se criar uma outra classe para<br />
enquadrar verbos que podem ou não ter complementos à vontade.<br />
Independentemente desses apontamentos, o que é interessante<br />
você saber é que o falante, naturalmente, tem consciência das<br />
propriedades dos verbos e dos seus respectivos complementos. E é<br />
esse conhecimento (gramatical implícito) que o permite empregar,<br />
por exemplo, um determinado verbo em diferentes contextos sintáticos,<br />
acompanhados, ou não, de complementos, sendo eles transitivos<br />
ou não.<br />
Na visão de Possenti (1996, p. 69-70), essa habilidade é resultada<br />
de dois tipos de conhecimentos: o lexical e o sintático-semântico.<br />
O primeiro “pode ser descrito simplificadamente como a capacidade<br />
de empregar as palavras adequadas (...) às ‘coisas’, aos ‘processos’<br />
etc.” O segundo está relacionado “com a distribuição das palavras na<br />
sentença e o efeito que tal distribuição tem para o sentido”.<br />
Em outras palavras, o falante tem o conhecimento das pro-<br />
priedades sintático-semânticas dos verbos, que impõem<br />
restrições selecionais quanto ao tipo de complemento (incluindo<br />
aí o próprio sujeito, já que este também é responsável<br />
por completar o sentido de um verbo), e que essas<br />
restrições têm relação inegável com a interpretação semântica,<br />
tendo, assim, efeito sobre a estrutura das sentenças.<br />
Dessa forma, ele sabe que em 14 o verbo exige a<br />
presença da preposição, particularidade esta que explica<br />
as agramaticalidades das sentenças:<br />
(14) a. *João gosta doce.<br />
b. *João dormiu pijama.<br />
c. *João ficou cama.<br />
Por outro lado, o falante também sabe que a preposição<br />
não é selecionada pelos verbos nos contextos sintáticos<br />
abaixo, como indiciam as agramaticalidades:<br />
(15) a. *João saiu de preocupado.<br />
b. *João está de preocupado.<br />
c. *João comprou de estátua.<br />
Ou seja, o falante reconhece naturalmente que em<br />
66 Módulo 4 I Volume 2 <strong>EAD</strong>