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miolo anais final 25cm:miolo anais final 25cm - Fundação Biblioteca ...

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<strong>miolo</strong> <strong>anais</strong> <strong>final</strong> <strong>25cm</strong>:<strong>miolo</strong> <strong>anais</strong> <strong>final</strong> <strong>25cm</strong> 3/22/07 3:26 PM Page 61<br />

61<br />

Tem um tio muito velho que mora em casa própria e que se casou com a mu lher<br />

quando já tinham netos. As moças da família são todas casadas e com funcionários<br />

do governo: Lloyd, Central etc. Que na casa da viúva de um que foi taifeiro do<br />

Lloyd há um armário cheio de jarros e bandejas de alumínio que ele carregava<br />

para casa. Era muito bom para os filhos e a mulher.” 4<br />

Essas notas sugerem que, por volta de 1948, cerca de um ano antes de sua<br />

morte precoce, Ramos fazia uso de outras idéias para explicar o universo religioso<br />

no qual transitavam Eulina e Guilhermina. Todavia, as mudanças de enfoque<br />

não anulam o que chamei estilo anamnésico. Certamente não foi essa a primeira<br />

vez que Ramos registrou informações dessa natureza em pedaços de papel, pequenas<br />

notas e diários. E em grande parte desses escritos podemos perceber a<br />

combinação de procedimentos caros à relação médico-paciente se misturando a uma<br />

forma singular de lembrar, fustigar a memória e construir, verbalmente ou através<br />

da escrita, algum tipo de reminiscência. Uma forma de instaurar/produzir uma<br />

memória e um tipo particular de “relato” comumente feito pelo “paciente” graças<br />

à “cordialidade inquiridora do médico”. 5 Nos escritos de Ramos, a intimi dade entre<br />

as imagens do paciente/informante e do médico/antropólogo não cons titui uma<br />

metáfora. A continuidade estilística ganha relevância se observarmos essas transformações<br />

de enfoque que vão caracterizar essas notas, a partir de um olhar pros -<br />

pectivo. Em seus relatórios sobre os internos no Hospital São João de Deus, em<br />

Salvador, no <strong>final</strong> da década de 1920, em visitas a parentes em sua ci da de natal,<br />

Pilar, e em sua clínica no centro do Rio de Janeiro, o dr. Ramos já experimentara<br />

situações semelhantes.<br />

Com essa observação, não quero dizer que as experiências de Ramos que envolveram<br />

a coleta e aquisição de conhecimentos dessa natureza tenham estado<br />

unicamente marcadas por relações de distância, autoridade e hierarquia – seme -<br />

lhantes às que opõem médicos e pacientes. Os atores que Ramos transformou<br />

em objetos de um olhar científico e distanciado – trabalhadores rurais, porteiros,<br />

faxineiras e pacientes de instituições médico-judiciárias – não foram personagens<br />

passivos e silenciosos. As relações estabelecidas nesses contatos – mesmo aqueles<br />

mediados por assistentes como Otinha – certamente foram muito mais comple -<br />

xas e, portanto, estão sujeitas, unicamente, às conjecturas. Domesticidade, inti -<br />

midade e cumplicidade perpassam as formas de contato e comunicação entre o<br />

antropólogo e as personagens que povoaram os diferentes cenários nos quais<br />

Ramos atuou. Essas relações se desenvolveram ao longo de um processo de transfor -<br />

mação na própria carreira profissional de Ramos. Ao mesmo tempo em que Ra -<br />

mos se convertia de médico em antropólogo, seus pacientes passaram à condição<br />

An. Bibl. Nac., Rio de Janeiro, 119

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