ensaio sobre os costumes - Programa de Pós-graduação em ...
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Nessa época, Voltaire morava <strong>em</strong> Genebra, na Suíça, on<strong>de</strong> mantinha uma<br />
relação tranqüila com <strong>os</strong> calvinistas. Publicou então o Po<strong>em</strong>a <strong>sobre</strong> a <strong>de</strong>struição<br />
<strong>de</strong> Lisboa, <strong>em</strong> 1756: a mesma t<strong>em</strong>ática que, mais tar<strong>de</strong>, seria <strong>de</strong>senvolvida <strong>em</strong><br />
Cândido, <strong>de</strong> 1759. Isso revela que Voltaire não p<strong>os</strong>suía uma harmonia teórica <strong>em</strong><br />
sua trajetória intelectual, mas sim uma sensibilida<strong>de</strong> e abertura para o que ocorria<br />
a sua volta.<br />
Voltaire <strong>de</strong>monstrou, ao longo <strong>de</strong> sua vida, que <strong>os</strong> aconteciment<strong>os</strong> e<br />
<strong>de</strong>bates que estabeleceu com outr<strong>os</strong> autores alteravam seu perfil intelectual. Por<br />
ex<strong>em</strong>plo, sua crença na providência divina sofreu uma reavaliação <strong>de</strong>pois do<br />
terr<strong>em</strong>oto <strong>de</strong> Lisboa. Esse acontecimento foi um pretexto para apresentar a<br />
questão da providência divina <strong>de</strong> forma probl<strong>em</strong>ática, não mais discutindo com o<br />
filósofo inglês Pope (1688-1744) como fizera <strong>em</strong> M<strong>em</strong>non ou a sabedoria<br />
humana, mas enfrentando o otimismo leibniziano.<br />
A respeito do impacto do terr<strong>em</strong>oto 62 <strong>de</strong> Lisboa <strong>em</strong> Paris e Genebra:<br />
No dia 1º <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1755 um mar<strong>em</strong>oto inundou Lisboa. A<br />
cida<strong>de</strong> foi quase inteiramente <strong>de</strong>struída, e trinta mil pessoas<br />
morreram. O sismo também arrasou Cadiz, Tanger e Meknes. A<br />
<strong>de</strong>sorganização era tão gran<strong>de</strong> que a notícia do <strong>de</strong>sastre só<br />
chegou a Paris e Genebra três s<strong>em</strong>anas <strong>de</strong>pois. Para Voltaire,<br />
como para a maioria d<strong>os</strong> seus cont<strong>em</strong>porâne<strong>os</strong> b<strong>em</strong>-informad<strong>os</strong>,<br />
a <strong>de</strong>struição <strong>de</strong> Lisboa teve uma profunda ressonância<br />
metafísica, cuja extensão hoje dificilmente po<strong>de</strong>ríam<strong>os</strong> avaliar.<br />
Era como se as idéias <strong>de</strong> providência, justiça divina e harmonia<br />
universal, <strong>sobre</strong> as quais repousava a serenida<strong>de</strong> cotidiana,<br />
<strong>de</strong>sabass<strong>em</strong> e f<strong>os</strong>s<strong>em</strong> varridas (LEPAPE, 1995, p. 201).<br />
Esse acontecimento colocou <strong>em</strong> cheque a aceitação da providência divina<br />
e fez com que Voltaire questionasse a veracida<strong>de</strong> da afirmação: “viv<strong>em</strong><strong>os</strong> no<br />
melhor d<strong>os</strong> mund<strong>os</strong> p<strong>os</strong>síveis”. 63<br />
Outro aspecto a consi<strong>de</strong>rar relaciona-se ao conflito religi<strong>os</strong>o, que, n<strong>os</strong> dias<br />
<strong>de</strong> Voltaire, ganhou força. A revogação do Edito <strong>de</strong> Nantes <strong>em</strong> 1685, por Luís<br />
XIV, tinha p<strong>os</strong>sibilitado novamente uma situação <strong>de</strong> perseguição e intolerância<br />
62 É preciso esclarecer que Voltaire utiliza o termo terr<strong>em</strong>oto, enquanto Lepape utiliza o termo<br />
mar<strong>em</strong>oto. Ao longo <strong>de</strong> Cândido ou o Otimismo o termo que aparece é terr<strong>em</strong>oto. Utilizam<strong>os</strong> duas<br />
traduções, a <strong>de</strong> J. Brito Broca, <strong>de</strong> 1958, e a <strong>de</strong> Mário Quintana, <strong>de</strong> 1995. Manter<strong>em</strong><strong>os</strong> ao longo <strong>de</strong><br />
n<strong>os</strong>so texto o termo terr<strong>em</strong>oto.<br />
63 Essa afirmação encontra-se na “[...] teoria do mal, formulada por Leibniz, [que] concluiria assim<br />
sua tentativa <strong>de</strong> síntese sist<strong>em</strong>ática <strong>de</strong> uma fil<strong>os</strong>ofia que concebe o mundo como rigor<strong>os</strong>amente<br />
racional e como o melhor d<strong>os</strong> mund<strong>os</strong> p<strong>os</strong>síveis” (MATTOS, 1992, p. 13 – grifo n<strong>os</strong>so).