ensaio sobre os costumes - Programa de Pós-graduação em ...
ensaio sobre os costumes - Programa de Pós-graduação em ...
ensaio sobre os costumes - Programa de Pós-graduação em ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
caráter tirânico e, <strong>de</strong>ixando-se conduzir pela intolerância e pelo fanatismo,<br />
ameaçava <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição a própria socieda<strong>de</strong>. Assim, a crítica <strong>de</strong> Voltaire à Igreja<br />
consiste <strong>em</strong> apresentá-la como uma instituição que foi se tornando ilegítima à<br />
medida que se afastava <strong>de</strong> suas origens: ao invés <strong>de</strong> se <strong>de</strong>dicar à construção do<br />
b<strong>em</strong> comum, passou a se preocupar apenas com seus própri<strong>os</strong> interesses.<br />
Constantino começou por outorgar um edito que permitia todas<br />
as religiões e acabou como perseguidor. Antes, se alguém se<br />
insurgia contra <strong>os</strong> cristã<strong>os</strong>, era só porque começavam a construir<br />
um partido <strong>de</strong>ntro do Estado. Os roman<strong>os</strong> toleravam tod<strong>os</strong> <strong>os</strong><br />
cult<strong>os</strong>, inclusive <strong>os</strong> d<strong>os</strong> ju<strong>de</strong>us e d<strong>os</strong> egípci<strong>os</strong>, que eles tanto<br />
<strong>de</strong>sprezavam. E por que esta tolerância? Porque n<strong>em</strong> <strong>os</strong><br />
egípci<strong>os</strong>, n<strong>em</strong> mesmo <strong>os</strong> ju<strong>de</strong>us, tentavam exterminar a antiga<br />
religião do império ou corriam a terra e <strong>os</strong> mares para<br />
conquistar<strong>em</strong> pr<strong>os</strong>élit<strong>os</strong>, limitando-se a ganhar dinheiro; mas é<br />
incontestável que <strong>os</strong> cristã<strong>os</strong> queriam que a sua religião f<strong>os</strong>se a<br />
dominante. Os ju<strong>de</strong>us não queriam a estátua <strong>de</strong> Júpiter <strong>em</strong><br />
Jerusalém; <strong>os</strong> cristã<strong>os</strong> não queriam que estivesse no Capitólio.<br />
Santo Tomás t<strong>em</strong> a boa fé <strong>de</strong> confessar que, se <strong>os</strong> cristã<strong>os</strong> não<br />
<strong>de</strong>stronaram <strong>os</strong> imperadores, foi só porque não pu<strong>de</strong>ram. A<br />
opinião <strong>de</strong>les era que toda a terra <strong>de</strong>via ser cristã. Logo,<br />
tornaram-se necessariamente inimig<strong>os</strong> <strong>de</strong> toda a terra, até que a<br />
terra inteira se convertesse (VOLTAIRE, 1973b, p. 296).<br />
Segundo Voltaire, assim que o cristianismo assumiu o lugar <strong>de</strong> religião<br />
oficial do Império romano, a tolerância que existia no império <strong>em</strong> relação às<br />
<strong>de</strong>mais crenças e religiões <strong>de</strong>sapareceu. O cristianismo abandonou a tolerância<br />
existente até então para aten<strong>de</strong>r a<strong>os</strong> seus interesses, ou seja, tornar-se a religião<br />
dominante. Para Voltaire, essa é a instituição que no século XVIII assume,<br />
juntamente com a monarquia, a função <strong>de</strong> governo. Assim, para que a socieda<strong>de</strong><br />
p<strong>os</strong>sa pr<strong>os</strong>perar, ele propõe que a Igreja seja, a partir <strong>de</strong> então, submetida ao<br />
Estado. Não foi isso o que ocorreu com Constantino, n<strong>em</strong> é o que ocorre na<br />
França; nestes cas<strong>os</strong>, a Igreja Romana interfere nas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> Estado.<br />
Os malefíci<strong>os</strong> da presença da Igreja e sua intervenção no governo da<br />
socieda<strong>de</strong> são assim <strong>de</strong>scrit<strong>os</strong> por Voltaire:<br />
A França talvez seja, <strong>de</strong> tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> países, o que mais uniu a<br />
cruelda<strong>de</strong> com o ridículo. Não há tribunal da França que não<br />
tenha mandado queimar muit<strong>os</strong> mag<strong>os</strong>. Na antiga Roma, havia<br />
louc<strong>os</strong> que pensavam ser feiticeir<strong>os</strong>; mas não havia bárbar<strong>os</strong> que<br />
<strong>os</strong> queimass<strong>em</strong> (VOLTAIRE, 2007a, p. 162).