ensaio sobre os costumes - Programa de Pós-graduação em ...
ensaio sobre os costumes - Programa de Pós-graduação em ...
ensaio sobre os costumes - Programa de Pós-graduação em ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
A monarquia clássica, na França e alhures, é, portanto (ao men<strong>os</strong><br />
<strong>em</strong> princípio), intolerante no plano religi<strong>os</strong>o, mesmo se se impõe,<br />
vez por outra e por uma duração bastante longa, tal fenômeno <strong>de</strong><br />
coexistência limitada com a heterodoxia; por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong><br />
divers<strong>os</strong> moment<strong>os</strong> das Guerras <strong>de</strong> Religião, ou durante o<br />
período que vai do Edito <strong>de</strong> Nantes (1598) à sua Revogação<br />
(1685). [...] O estado estabelece com esse fim a unida<strong>de</strong><br />
religi<strong>os</strong>a; conclui um pacto <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social <strong>em</strong> tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> sentid<strong>os</strong><br />
do termo com a Igreja estabelecida. As conseqüências<br />
<strong>de</strong>sastr<strong>os</strong>as que resultam por vezes <strong>de</strong>sses comportament<strong>os</strong><br />
monopolistas não se revelam à primeira vista à massa d<strong>os</strong><br />
cont<strong>em</strong>porâne<strong>os</strong> ceg<strong>os</strong>. [...] Nesse ponto, <strong>os</strong> reis célebres como<br />
perseguidores (Luís XVI, por ex<strong>em</strong>plo) não têm uma conduta<br />
especialmente atroz, quando <strong>os</strong> comparam<strong>os</strong> a seus colegas. A<br />
Espanha da Renascença expulsa seus ju<strong>de</strong>us e seus mour<strong>os</strong>; a<br />
Inglaterra, a partir <strong>de</strong> Elisabeth, sob pretexto <strong>de</strong> leis penais,<br />
entrega-se à discriminação contra <strong>os</strong> papistas, e não apenas<br />
quando são irlan<strong>de</strong>ses. O distante Japão extermina sua minoria<br />
cristã na época <strong>de</strong> n<strong>os</strong>so Luís XIII. O ex<strong>em</strong>plo da tolerância<br />
holan<strong>de</strong>sa suscitará discípul<strong>os</strong> na França apenas no t<strong>em</strong>po <strong>de</strong><br />
Bayle ou Voltaire; <strong>os</strong> resultad<strong>os</strong> prátic<strong>os</strong> serão esperar por muito<br />
t<strong>em</strong>po (LADURIE, 1994, p. 10).<br />
Segundo Ladurie, a união entre o Estado e a Igreja p<strong>os</strong>sibilitou que a<br />
socieda<strong>de</strong> tivesse governo e que pu<strong>de</strong>sse aten<strong>de</strong>r às exigências <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento. Se, <strong>em</strong> um <strong>de</strong>terminado momento, esse pacto foi necessário e<br />
favoreceu a socieda<strong>de</strong>, <strong>em</strong> outr<strong>os</strong> moment<strong>os</strong> tornou-se probl<strong>em</strong>ático e precisou<br />
ser discutido e revisto. Isso aponta para o <strong>de</strong>staque dado por Voltaire à discussão<br />
<strong>sobre</strong> o papel das instituições.<br />
Ele não se opunha às instituições Monarquia e Igreja <strong>de</strong> forma radical e<br />
cega, p<strong>os</strong>icionando-se contra sua existência, mas busca <strong>de</strong>monstrar como a<br />
ignorância e a intolerância ocuparam o lugar da razão <strong>em</strong> <strong>de</strong>cisões que não<br />
aten<strong>de</strong>ram necessariamente à exigência do b<strong>em</strong> comum, mas significaram<br />
<strong>de</strong>srespeito e <strong>de</strong>correram <strong>de</strong> medidas abusivas d<strong>os</strong> governantes.<br />
Relaciona-se a isso a afirmação <strong>de</strong> Tocqueville (1985, p. 321) <strong>de</strong> que “[...]<br />
<strong>os</strong> franceses realizaram o maior esforço que qualquer povo já terá feito, no<br />
sentido <strong>de</strong>, por assim dizer, produzir uma ruptura <strong>em</strong> sua história que viesse<br />
separar por um abismo o que <strong>de</strong>sejavam ser do que tinham sido até então”.<br />
Tocqueville (1805-1859) foi <strong>de</strong>putado na Ass<strong>em</strong>bléia Nacional, <strong>em</strong> 1848, e<br />
colaborou como constituinte na elaboração da Constituição da Segunda<br />
República francesa. Por quatro meses, <strong>em</strong> 1849, foi ministro das Relações<br />
exteriores durante o governo <strong>de</strong> Luís Napoleão (1808-1873). Nessa época, por