ensaio sobre os costumes - Programa de Pós-graduação em ...
ensaio sobre os costumes - Programa de Pós-graduação em ...
ensaio sobre os costumes - Programa de Pós-graduação em ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Quando, após um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> sécul<strong>os</strong> algumas<br />
socieda<strong>de</strong>s se estabeleceram, é <strong>de</strong> se crer que houve alguma<br />
religião, alguma espécie <strong>de</strong> culto gr<strong>os</strong>seiro. Os homens, então<br />
unicamente ocupad<strong>os</strong> <strong>em</strong> sustentar sua vida, não podiam<br />
r<strong>em</strong>ontar ao autor da vida; não podiam conhecer essas relações<br />
<strong>de</strong> todas as partes do universo, esses incontáveis mei<strong>os</strong> e fins<br />
que anunciam a<strong>os</strong> sábi<strong>os</strong> um eterno arquiteto. O conhecimento<br />
<strong>de</strong> um <strong>de</strong>us, formador, r<strong>em</strong>unerador e vingador, é fruto da razão<br />
cultivada. Tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> pov<strong>os</strong> foram, portanto, durante sécul<strong>os</strong>, o que<br />
são hoje <strong>os</strong> habitantes <strong>de</strong> várias c<strong>os</strong>tas meridionais da África, <strong>os</strong><br />
<strong>de</strong> várias ilhas e a meta<strong>de</strong> d<strong>os</strong> american<strong>os</strong>. Esses pov<strong>os</strong> não têm<br />
nenhuma idéia <strong>de</strong> um <strong>de</strong>us único, que tudo fez, presente <strong>em</strong><br />
tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> lugares, existindo por si mesmo na eternida<strong>de</strong><br />
(VOLTAIRE, 2007a, pp. 48-49).<br />
Para Voltaire, e outr<strong>os</strong> autores do século XVIII, a existência na África e na<br />
América <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s ainda <strong>em</strong> estágio primitivo <strong>os</strong> autorizava a <strong>de</strong>finir as<br />
instituições como construção d<strong>os</strong> homens ao longo da história. Isso se aplica<br />
também à própria idéia <strong>de</strong> <strong>de</strong>us e a<strong>os</strong> dogmas. Como construções humanas,<br />
estes pressupunham a capacida<strong>de</strong> racional do hom<strong>em</strong>. O fato <strong>de</strong> existir, <strong>em</strong> pleno<br />
século XVIII, socieda<strong>de</strong>s primitivas e pov<strong>os</strong> selvagens autorizou Voltaire a discutir<br />
a p<strong>os</strong>sibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrer, <strong>em</strong> uma mesma socieda<strong>de</strong>, moment<strong>os</strong> históric<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />
luzes, cujas relações se baseavam na razão e na tolerância, e moment<strong>os</strong> <strong>de</strong><br />
trevas, <strong>em</strong> que o fanatismo e a intolerância imperavam.<br />
Além <strong>de</strong> pressupor que, mesmo na Europa, existiam pessoas e<br />
comunida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> estági<strong>os</strong> diferenciad<strong>os</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento cultural, ele fez<br />
consi<strong>de</strong>rações também <strong>sobre</strong> a existência <strong>de</strong> selvagens e constata que:<br />
Há <strong>de</strong>sses selvagens <strong>em</strong> toda a Europa. Há que convir <strong>sobre</strong>tudo<br />
que <strong>os</strong> pov<strong>os</strong> do Canadá e <strong>os</strong> cafres, que houv<strong>em</strong><strong>os</strong> por b<strong>em</strong><br />
chamar <strong>de</strong> selvagens, são infinitamente superiores a<strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong>. O<br />
huroniano, o algonquino, o illinois, o cafre, o hotetonte têm a arte<br />
<strong>de</strong> fabricar eles própri<strong>os</strong> tudo <strong>de</strong> que necessitam, e essa arte falta<br />
a<strong>os</strong> n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> rústic<strong>os</strong>. Os pov<strong>os</strong> da América e da África são livres,<br />
e n<strong>os</strong>s<strong>os</strong> selvagens n<strong>em</strong> sequer têm idéia do que seja liberda<strong>de</strong><br />
(VOLTAIRE, 2007a, p. 58).<br />
Desta forma, Voltaire <strong>de</strong>staca que o <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong> e d<strong>os</strong><br />
indivídu<strong>os</strong> não é uniforme e linear e, se <strong>os</strong> europeus se olhass<strong>em</strong> com mais<br />
cuidado, perceberiam que, <strong>em</strong> suas nações, apesar do <strong>de</strong>senvolvimento das<br />
ciências e das artes, existiam populações <strong>em</strong> estágio <strong>de</strong> selvageria maior que <strong>os</strong><br />
selvagens d<strong>os</strong> continentes americano e africano.