You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
- Viu-a? perguntou Linda que não cessava <strong>de</strong> chamar pela<br />
amiga.<br />
- Não! respon<strong>de</strong>u agoniado o irmão.<br />
- Basta, Inhá! disse a filha do fazen<strong>de</strong>iro, com o tom suplicante.<br />
Você nos aflige com esta brinca<strong>de</strong>ira.<br />
- Qual! Ela é pirracenta! replicava Afonso rindo-se para animar<br />
a irmã. Mas logo, quando eu a pilhar, há <strong>de</strong> arrepen<strong>de</strong>r-se. Eu cá me<br />
contento com uma dúzia; e você, Linda?<br />
Assim galhofando, Afonso aplicava alternativamente os lábios e<br />
os olhos ao orifício da fechadura, para falar a Berta, e ver se ela dava<br />
sinal <strong>de</strong> o ouvir.<br />
De repente pareceu-lhe que uma sombra se interpunha entre a<br />
porta e o toucador; e afirmando a vista reconheceu o vulto <strong>de</strong> Berta,<br />
que oscilava. Cuidou que a menina, para fazer-lhe negaça, estava <strong>de</strong><br />
brejeira a bambolear o corpinho.<br />
- Lá está ela se faceirando! exclamou Afonso cheio <strong>de</strong><br />
contentamento.<br />
- Aon<strong>de</strong>?<br />
Lembrou-se, porém, o moço que Berta voltava-lhe as costas,<br />
em vez <strong>de</strong> virar-se para a porta, como era natural. Querendo verificar<br />
esse reparo, já não o po<strong>de</strong>, porque a sombra vacilara e <strong>de</strong>saparecera.<br />
Sofregamente buscava ele <strong>de</strong> novo enxerga-la; e não o<br />
conseguia, quando casualmente seus olhos caíram sobre a face polida<br />
do espelho, que ornava o toucador <strong>de</strong> mogno.<br />
Uma surda exclamação, que o moço não teve tempo <strong>de</strong><br />
sufocar, lhe prorrompeu dos lábios.<br />
- Ah!<br />
- O que é? interrogou Linda transida <strong>de</strong> terror.<br />
- Não sei o que ela tem... Sentou-se... Parece que caiu.<br />
Estas palavras, proferiu-as o moço ofegante, recalcando as<br />
palpitações violentas, que lhe talhavam a fala, e sem tirar os olhos do<br />
espelho do toucador.<br />
Fora ali que vira <strong>de</strong>senhar-se a imagem <strong>de</strong> Berta, sentada sobre<br />
o pavimento, com o talhe acabrunhado por súbito <strong>de</strong>smaio das<br />
forças; mas a cabeça promovida por um rígido impulso, e as negras<br />
pupilas dilatadas em um olhar fixo, estático, <strong>de</strong> vítreos lampejos.<br />
Não se enganara Afonso; Berta se voltava com efeito para o<br />
interior, pois sua imagem refletia-se <strong>de</strong> frente no espelho. O que<br />
olhava, porém, ela com a vista assim pasma? Ansiava o moço por<br />
<strong>de</strong>scobrir e não tardou muito.<br />
Na borda inferior do espelho, sobre o friso da moldura <strong>de</strong><br />
mogno, surgiu um ponto que foi a pouco e pouco avultando. Era a<br />
cabeça chata <strong>de</strong> um animal, coberto <strong>de</strong> três or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> escamas<br />
transversais dispostas sobre um couro <strong>de</strong> pardo fulvo mosqueado <strong>de</strong><br />
preto.<br />
Um brado <strong>de</strong> horror escapou da gorja angustiada do mancebo,<br />
que recuando se arremessou com <strong>de</strong>sespero, para espedaçar a porta.<br />
106