Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
tinha dó quando lembrava-se da humilda<strong>de</strong> com que Jão Fera sofrera<br />
uma punição tão cruel para seus brios.<br />
Vendo ao capanga <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tantos dias, ce<strong>de</strong>u, no primeiro assomo,<br />
a um impulso <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong> chamou-o. Porém logo apercebeu-se <strong>de</strong><br />
seu equívoco. O rosto <strong>de</strong> Jão Fera lhe aparecera, mas por entre os<br />
varões <strong>de</strong> ferro da enxovia, em que a princípio não reparou.<br />
Acabrunhado pelo <strong>de</strong>sprezo da menina, sentindo que se tornara para<br />
ela objeto <strong>de</strong> asco e horror, o facínora veio a Piracicaba e entregou-se<br />
à prisão. Des<strong>de</strong> o dia da morte do Ribeiro, estava ele encarcerado na<br />
ca<strong>de</strong>ia da vila.<br />
Compenetrando-se da realida<strong>de</strong> e reconhecendo a impossibilida<strong>de</strong> em<br />
que estava Jão Fera <strong>de</strong> acudir a seu chamado, e o perigo que o<br />
ameaçava, curvou a menina a fronte com um gesto <strong>de</strong> mágoa e<br />
resignação.<br />
Foi rápido este inci<strong>de</strong>nte e ocorreu durante o trajeto da família pela<br />
face lateral da ca<strong>de</strong>ia até a próxima rua cuja esquina dobrou.<br />
Nas horas mais quentes do dia amainou o rumor da festa para<br />
recru<strong>de</strong>scer ao cair da tar<strong>de</strong>, quando todas as janelas se atufaram <strong>de</strong><br />
moças e a massa do povo se apinhou pelos cantos das ruas.<br />
Ao repique <strong>de</strong> sinos e estrondo dos rojões, <strong>de</strong>sfilava pelo largo da<br />
matriz a luzida cavalgada do Congo, precedida por um terno <strong>de</strong><br />
rabecas e flautas, que compunham a banda <strong>de</strong> música.<br />
Adiante vinham o rei e a rainha do Congo, montando soberbos<br />
cavalos ricamente ajaezados e trajando custosas roupas <strong>de</strong> veludos e<br />
sedas. Seguiam-se os cavaleiros e damas da corte, que não ficavam<br />
somenos aos soberanos do imaginário reino africano.<br />
Fazia <strong>de</strong> rainha Florência, que nesse dia triunfava sobre a rival, a<br />
mucama Rosa. O rei era o pajem <strong>de</strong> um ricaço da vizinhança; e todos<br />
os outros personagens, cativos das fazendas próximas.<br />
O luxo que ostentavam fora pago, parte com as suas economias, e<br />
parte com dádivas dos senhores, cuja vaida<strong>de</strong> se personificava nos<br />
próprios escravos. Cada um <strong>de</strong>sses ricos fazen<strong>de</strong>iros se <strong>de</strong>svanecia<br />
da admiração que sentia o povo pelas roupas vistosas que traziam<br />
galhardamente seus pajens, e pelos soberbos cavalos fogosos que<br />
eles meneavam com certo donaire.<br />
No meio das figuras, vestidas à antiga e <strong>de</strong> fantasia, saltavam outras,<br />
cobertas ou antes eriçadas da cabeça aos pés com os molhos <strong>de</strong> um<br />
capim duro e híspido. Agitado pelo contínuo movimento, produzia<br />
176