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Til – José de Alencar

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Foi esta cena cruel que Berta viu <strong>de</strong> relance ao chegar à porta<br />

da cozinha, chamada pelos gritos. Arrojando-se do mesmo ímpeto ao<br />

terreiro, seus lábios lançaram com um tom <strong>de</strong> severa exprobração o<br />

nome do perverso, que espancava tão barbaramente uma criatura<br />

inofensiva.<br />

- Brás!<br />

Não se animou o rapaz a erguer a cabeça, tão acabrunhado<br />

ficara, e tão corrido <strong>de</strong> sua barbarida<strong>de</strong>. Naquele instante não havia<br />

forças para obrigá-lo a fitar o semblante <strong>de</strong> Berta, e afrontar a cólera<br />

<strong>de</strong> seu olhar.<br />

Agachado, como se quisera sumir-se pela terra a <strong>de</strong>ntro, fugira<br />

ele antes que a menina chegasse para tirar-lhe a preta das garras; e<br />

foi escon<strong>de</strong>r-se por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong> um marachão da taipa, que esboroara<br />

da pare<strong>de</strong> do outão.<br />

Cuidou Berta <strong>de</strong> levantar a cabeça da doida, na esperança <strong>de</strong><br />

reanimá-la, o que só conseguiu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito tempo. Quando a<br />

preta se po<strong>de</strong> erguer, ajudou-a ela a ganhar o cubículo, on<strong>de</strong> à noite<br />

se agasalhava a infeliz. Havia tempo que trouxera a menina uma<br />

esteira, sobre a qual a acomodou, prometendo a si mesma voltar logo<br />

mais com aguar<strong>de</strong>nte e pano para <strong>de</strong>itar sobre a contusão que<br />

tinham <strong>de</strong>ixado as mãos <strong>de</strong> Brás.<br />

Este continuava agachado por trás do medão <strong>de</strong> taipa; espiando<br />

à sorrelfa os movimentos <strong>de</strong> Berta, quedava-se com a humilda<strong>de</strong> do<br />

rafeiro quando espera que a mão do senhor o fustigue pela falta<br />

cometida. Ao rumor dos passos da menina, que vinha <strong>de</strong> seu lado,<br />

encolheu-se ainda mais; parecia concentrar-se todo para o transe<br />

difícil.<br />

Trazia Berta no olhar uma profunda repulsão, e o lábio frisado<br />

por um assomo <strong>de</strong> cólera. A perversida<strong>de</strong> do rapaz contra a mísera<br />

doida a revoltara dolorosamente a ponto <strong>de</strong> esquecer que também<br />

esse ato cruel era <strong>de</strong> um espírito enfermo, e quem sabe se mais<br />

digno <strong>de</strong> lástima.<br />

Parou ela em face do culpado, perplexa, hesitando por ventura<br />

no castigo que <strong>de</strong>via infligir-lhe. Por fim <strong>de</strong>ixou cair dos lábios um<br />

sorriso <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprezo e afastou-se rapidamente.<br />

Esperava o rapaz uma severa repreensão. Este <strong>de</strong>sprezo e<br />

repentino abandono, o trespassaram <strong>de</strong> dor. Quis levantar-se para<br />

correr após a menina, e as pernas lhe fugiram. Voltando-se ao rugido<br />

que ele soltara, o viu Berta <strong>de</strong> joelhos, estorcendo as mãos súplices e<br />

esforçando arrancar das fauces uma palavra que o sufocava.<br />

- Não! disse a menina.<br />

Esta palavra fulminou Brás, que estrebuchou no chão,<br />

estorcendo-se em uma convulsão medonha, que dobrou-lhe o corpo<br />

hirto, como se fosse uma verga <strong>de</strong> chumbo. Espumava-lhe a boca, e<br />

os <strong>de</strong>ntes rangiam com horríveis contrações, que <strong>de</strong>formavam-lhe o<br />

semblante.<br />

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