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Um jorro <strong>de</strong> chamas esguichou do tope do mastro. A boneca<br />
incendiada voava pelos ares, esfuriando aljôfares azuis, ver<strong>de</strong>s e<br />
escarlates, que listraram a treva da noite e correram pelo espaço<br />
trêmulas e cintilantes como lágrimas <strong>de</strong> estrelas.<br />
- Bravo! gritaram em coro os rapazes.<br />
- Viva o Miguel! bradava Afonso abraçando o amigo.<br />
As moças batiam palmas, chilrando <strong>de</strong> folia e contentamento;<br />
sobretudo Berta, que parecia uma criança, a dar piruetas no terreiro,<br />
estalando castanholas nos <strong>de</strong>dos e dançando o fado com Afonso.<br />
Linda ficou séria; mas sua alma coada em um olhar inefável<br />
embebeu-se no semblante <strong>de</strong> Miguel.<br />
XVII<br />
Cravo branco<br />
Ainda não se tinham <strong>de</strong>svanecido as emoções do primeiro páreo, que<br />
outra sorte mais engraçada punha em alvoroto a rapaziada.<br />
A bola que servia <strong>de</strong> tope ao mastro, e sobre a qual estava pregada a<br />
boneca, era oca, e formava uma espécie <strong>de</strong> cabaz cheio <strong>de</strong> flores,<br />
frutos, confeitos e outras galanterias para quem fosse capaz <strong>de</strong><br />
alcança-las trepando pela haste do pinheiro.<br />
Não era pequena façanha essa; pois além da altura, o pau fino e<br />
roliço não dava jeito a que os rapazes se escorassem bem sobre os<br />
joelhos para com o impulso dos braços se irem içando à guisa dos<br />
marujos.<br />
Este folguedo, reminiscência <strong>de</strong> antigos jogos <strong>de</strong> nossos avós, e ainda<br />
em voga em outros países com o nome <strong>de</strong> mastro <strong>de</strong> cocanha,<br />
divertia muito os rapazes, pelo seu chiste e novida<strong>de</strong>.<br />
Se sucedia algum, apesar <strong>de</strong> seus esforços, escorregar <strong>de</strong> repente<br />
pelo pau abaixo quando estava já bem próximo <strong>de</strong> atingir a meta; ou<br />
se outro mais lorpa não conseguia suspen<strong>de</strong>r-se do chão, e ficava a<br />
patinar ao pé do mastro, tentando <strong>de</strong>bal<strong>de</strong> sungar-se; eram chascos<br />
e risadas estrepitosas, que festejavam o malogro da porfia.<br />
Mas nem por isso <strong>de</strong>sanimavam os rapazes; e repousadas as forças<br />
tornavam à empresa, estimulados pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> esquecer a anterior<br />
<strong>de</strong>rrota, e conquistarem uma flor, ou qualquer outra prenda que<br />
ofertassem à namorada.<br />
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