16.06.2013 Views

Til – José de Alencar

Til – José de Alencar

Til – José de Alencar

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Terminara a festa.<br />

O incêndio<br />

A escuridão profunda <strong>de</strong> uma noite brumosa envolve a casa das<br />

Palmas e os edifícios adjacentes.<br />

Do borralho acamado sobre as extintas fogueiras apenas escapam<br />

raras fagulhas, que esfoliam-se no ar e se apagam.<br />

Soa ao longe tropel <strong>de</strong> animais, intercalado às vezes por trechos <strong>de</strong><br />

alegre <strong>de</strong>scante. São ranchos <strong>de</strong> convidados que tornam às casas.<br />

Da várzea, entre o zumbir dos insetos noturnos, perpassavam nos<br />

sopros da brisa as rascas da viola, que à porta da palhoça ainda<br />

arranhava por <strong>de</strong>spedida algum caipira saudoso.<br />

Pouco mais era <strong>de</strong> meia-noite. A função que prometia prolongar-se<br />

até lá pela madrugada, esfriara <strong>de</strong> repente, com bastante pesar dos<br />

velhos comilões, os quais não pu<strong>de</strong>ram atolar-se na lauta ceia, pois o<br />

tempo mal lhes chegou para fartarem-se uma só vez <strong>de</strong> cada prato.<br />

Ferida nas duas cordas mais <strong>de</strong>licadas <strong>de</strong> seu coração, no amor <strong>de</strong><br />

esposa e mãe, D. Ermelinda, apesar <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> esforço e do habitual<br />

disfarce que o trato da boa socieda<strong>de</strong> prescreve como regra <strong>de</strong><br />

cortesia, não po<strong>de</strong> abafar a tristeza que lhe transbordava dos seios<br />

d’alma.<br />

O amortecimento das maneiras afáveis e da graciosa amabilida<strong>de</strong> da<br />

dona da casa <strong>de</strong>rramou nos convidados um súbito constrangimento;<br />

a festa per<strong>de</strong>u <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo a sua expansiva alegria; os mais<br />

<strong>de</strong>sconfiados, ou os mais paulistas, cuidaram em retirar-se, que não<br />

acharam a costumada e carinhosa resistência.<br />

Então começou a <strong>de</strong>bandada. Ainda tentou Luís Galvão reanimar a<br />

folia; mas um olhar <strong>de</strong> sua mulher e o abatimento que se pintava em<br />

seu gesto, o <strong>de</strong>moveu logo do propósito <strong>de</strong> reter os amigos e<br />

prolongar os folguedos.<br />

Já todos se haviam acomodado para dormir; só D. Ermelinda, com o<br />

mesmo traje da festa, que não <strong>de</strong>spira ainda, velava imóvel no seu<br />

toucador.<br />

Atirada ao fundo <strong>de</strong> um sofá, na sombra que projetava um vaso <strong>de</strong><br />

porcelana colocado diante da vela para quebrar a luz, tinha os olhos<br />

ficos na imagem <strong>de</strong> N. S. das Dores, que se via sobre a cômoda em<br />

um nicho <strong>de</strong> jacarandá.<br />

152

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!