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Devia ser po<strong>de</strong>rosa a preocupação que assim o <strong>de</strong>movia da<br />
habitual <strong>de</strong>sconfiança, bem como das precauções, indispensáveis na<br />
sua condição <strong>de</strong> foragido e reclamadas pela perseguição <strong>de</strong> que era<br />
alvo.<br />
Assim não ouviu ele um ruído subterrâneo que ressoou-lhe<br />
embaixo dos pés; ou, se ouviu, não fez reparo, atribuindo a algum<br />
animal, que estivesse a abrir a toca.<br />
Era o Brás, o qual antes <strong>de</strong> aproximar-se da tapera, on<strong>de</strong><br />
encontrara Berta, ali andava cavando com a pá, achada no esqueleto<br />
<strong>de</strong> um burro, a terra que tirava com as mãos e o chapéu.<br />
Havia nesse lugar uma pequena estiva, feita sobre um socavão<br />
pelos antigos moradores do sítio, para serventia da roça. Com a ruína<br />
da casa, <strong>de</strong>sapareceram as plantações, e do caminho só restava<br />
aquele carreiro e o aterro que aí tinham posto.<br />
Aproveitando-se da configuração do terreno, gizara Brás com<br />
instinto perverso aluir as ribanceiras do grotão, para que faltando<br />
apoio às extremida<strong>de</strong>s da estiva, um dia abatesse ela com o peso <strong>de</strong><br />
Jão Fera, que rolaria pelo barranco abaixo.<br />
Entretanto prosseguia lentamente Jão Fera seu caminho; senão<br />
que ao passar perto da tapera, e como subitamente arrancado aos<br />
pensamentos que o tomavam, manifestou seu gesto, à vista da casa<br />
em ruínas, uma espécie <strong>de</strong> terror e espanto, que o fez acelerar o<br />
passo e afastar-se quase em fuga.<br />
Sabia o capanga que àquela hora costumava Berta aparecer na<br />
tapera on<strong>de</strong> tantas vezes a tinha encontrado, e era <strong>de</strong>la que fugia,<br />
<strong>de</strong>la a quem não se animara a rever <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a cena da azinhaga no dia<br />
da tocaia.<br />
Quando três dias antes partira espavorido daquele sítio ao ver o<br />
relicário <strong>de</strong> que Berta lhe oferecera o cordão <strong>de</strong> ouro, correra por<br />
algum tempo sem inconsciência <strong>de</strong> si, mas acossado por uma<br />
lembrança que o pungia, como o aguilhão da mutuca no lombo do<br />
tapir.<br />
Recobrada a calma, achou-se à borda da estrada, que em sua<br />
carreira por <strong>de</strong>ntro do mato ele perlongara sem o sentir. Soava perto<br />
um tropel <strong>de</strong> animais, e Luís Galvão apareceu na volta do caminho.<br />
Seguido pela batida na orla da estrada, o animal ia passar rente com<br />
o capanga, oculto pela cepa <strong>de</strong> uma gameleira.<br />
Foi um momento <strong>de</strong> colisão para Jão Fera. Aí estava ao alcance<br />
do braço, à sua mercê <strong>de</strong> um movimento seu o cumprimento <strong>de</strong> sua<br />
palavra, que ele não podia doutro modo libertar. Mas o olhar<br />
cintilante <strong>de</strong> Berta e o gesto <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sprezo se <strong>de</strong>buxavam ainda ao<br />
pensamento do facínora como um anátema.<br />
Luís Galvão passou incólume; e Jão Fera encaminhou-se à<br />
venda do Tinguá.<br />
Esperava-o aí o Barroso, que mal avistou-o no terreiro do<br />
rancho, logo saiu-lhe ao encontro, impaciente <strong>de</strong> receber a nova.<br />
- Arrependi-me! disse-lhe o capanga secamente e com um<br />
olhar <strong>de</strong> chumbo.<br />
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