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- É um refinado tratante, ele e mais o tranca do Jão Bugre.<br />
- O patrão também tem negócio com esse danado? disse<br />
Gonçalo.<br />
- Pois o negócio era com ele; mas o patife não ata nem <strong>de</strong>sata;<br />
e já a coisa me cheira a caçoada.<br />
- Que quer? O senhor foi se meter com ele: não tinha que ver!<br />
- Então não é o que dizem?<br />
- Qual! Gabolice tudo! Não <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> ser valente. Lá isso é<br />
verda<strong>de</strong>. Mas on<strong>de</strong> vê, já o encostei, e só com este braço. Não é<br />
<strong>de</strong>bal<strong>de</strong> que me chamam <strong>de</strong> suçuarana!<br />
- Com tanto que me avie o diabo <strong>de</strong>pressa.<br />
- Não custa. É só falar; o mais fica por minha conta. Eu cá não<br />
sou lerdo como o Bugre. Ainda bem o ajuste não está feito, que eu já<br />
ando com a obra em meio.<br />
- Pois vamos acabar com isto <strong>de</strong> uma vez.<br />
Cavalgaram os dois <strong>de</strong> novo e seguiram pela estrada na mesma<br />
direção que havia tomado pouco antes o Filipe e sua troça.<br />
Neste momento o casco da cabeça do negro, lisa como um<br />
quengo, surdia por cima da velha cepa queimada, e dois olhos que<br />
pareciam carbúnculos, se alongaram pelo caminho além.<br />
- Eh! Branco mesmo!... resmungou uma voz trôpega.<br />
XXIII<br />
Nhá Tudinha<br />
Era pela volta das oito horas.<br />
Nhá Tudinha entrava e saía, andando <strong>de</strong> um lado para outro, na<br />
labutação do costume. Não por necessida<strong>de</strong>, que só por gênio vivia<br />
ela nessa contínua lida caseira <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que amanhecia até o escurecer.<br />
Tinha essa mulherzinha baixa e rolha tal prurido da pele que<br />
não podia estar um momento sossegada. Por força que se havia <strong>de</strong><br />
ocupar alguma coisa; e para que lhe ren<strong>de</strong>sse a tarefa, muitas vezes<br />
<strong>de</strong>sfazia o que já estava pronto, a fim <strong>de</strong> Ter o gosto <strong>de</strong> arranjar <strong>de</strong><br />
novo.<br />
Nunca sentia-se tão feliz e contente como nos dias em que a<br />
apoquentavam <strong>de</strong> trabalho. Correr daqui para ali, revolver os cantos<br />
da casa, abrir e fechar portas, acudir da varanda à cozinha, e dar<br />
vazão a tudo; nisso consistia o seu maior prazer nesse mundo.<br />
Quem a visse naquela dobadoura da manhã à noite, ficaria<br />
admirado <strong>de</strong> seu ar lépido e agudo; pois <strong>de</strong>certo não se podia esperar<br />
semelhante volubilida<strong>de</strong> naquele corpo rechonchudo, com suas<br />
perninhas curtas e socadas.<br />
Achava-se então nhã Tudinha em uma <strong>de</strong> suas boas vezes. O<br />
São João estava à porta; e ela, que tinha, e com muita razão, o seu<br />
garbo <strong>de</strong> doceira afamada, por costume antigo se pusera na<br />
obrigação <strong>de</strong> mandar em dias <strong>de</strong> festa os mimos feitos por suas<br />
mãos, no que estava o chiste, às pessoas <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, cujo rol<br />
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