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<strong>de</strong> rosa dos lábios, que faziam um <strong>de</strong>licioso biquinho vermelho,<br />
apinhados como estavam com o gracioso amuo.<br />
Não se podia, com efeito, achar mais justa imagem da formosa<br />
menina, do que essa que espontaneamente acudira ao espírito<br />
poético do rapaz. Naquele momento com a fronte reclinada, as<br />
espáduas ligeiramente curvas, pelo recato, as mão recolhidas ao seio,<br />
parecia-se com a juruti quando arrufa a doce e macia penugem.<br />
À medida porém que a envolvia a carícia do irmão, ia ela outra<br />
vez acetinando-se; o talhe <strong>de</strong>licado esbeltava-se ao natural; as<br />
longas pálpebras franjadas erguiam-se <strong>de</strong>svendando os gran<strong>de</strong>s<br />
olhos pardos cheios <strong>de</strong> uma ternura ebriante; e finalmente o botão <strong>de</strong><br />
rosa da boca gentil enflorava-se com sorriso encantador, que<br />
<strong>de</strong>rramava sobre o formoso semblante da menina uma luz <strong>de</strong> leite.<br />
Só não sabe o que isto é, quem não admirou a espécie <strong>de</strong> cútis<br />
mais <strong>de</strong>licada, tez suave <strong>de</strong> bonina bebendo os orvalhos da manhã.<br />
Tinha a beleza <strong>de</strong> Linda um doce alumbre <strong>de</strong> melancolia, que<br />
não era tristeza, pois coavam-se através dos inefáveis<br />
contentamentos <strong>de</strong> sua alma; era sim matiz, que lhe aveludava a<br />
graça e influía-lhe um mavioso enlevo. Irmã das flores que vivem nos<br />
recessos da floresta, on<strong>de</strong> se coalham em sombra luminosa os raios<br />
filtrados pelo crivo das folhas, respira essa beleza o perfume casto da<br />
violeta e da baunilha.<br />
Não se admira a mulher que a possui, porque não exerce a<br />
fascinação esplêndida das formosuras que cintilam; mas adora-se <strong>de</strong><br />
joelhos, porque ela tem a santida<strong>de</strong> do amor.<br />
Afonso era o retrato da irmã. Pareciam-se como gêmeos e<br />
gêmeos tinham nascido. Mas nele a gentileza era um fogo <strong>de</strong> artifício;<br />
a índole jovial, que herdara do pai, lhe estava constantemente a<br />
brincar no gesto prazenteiro e nas cascatas do riso cordial e folgazão.<br />
Era tal a parecença dos dois irmãos, que um dia, havia tempos,<br />
Afonso lembrou-se <strong>de</strong> fazer uma travessura. Vestiu-se com roupas da<br />
irmã, e tomando uns ares hipócritas, saiu ao encontro <strong>de</strong> Berta que<br />
vinha visitar Linda, como <strong>de</strong> costume. A moça, cuidando ver a amiga,<br />
correu abraçá-la, e cobriu-a <strong>de</strong> uma chuva <strong>de</strong> beijos, que lhe foram<br />
pontualmente retribuídos.<br />
Foi <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter a seu gosto recebido as carícias da moça, e<br />
comido-lhe a beijos o saboroso encarnado das faces, que o brejeiro<br />
tirando a capelina da irmã, apresentou a sua cabeça <strong>de</strong> rapaz,<br />
<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada da basta ma<strong>de</strong>ixa, que ondulava pelas espáduas <strong>de</strong><br />
Linda, quando ela a trazia solta no passeio da manhã.<br />
Descobrindo o engano, Berta não se agastou e riu-se<br />
gostosamente com o rapaz, da peça que lhe pregara ele; mas <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
aí, não beijou mais a Linda sem primeiro olhar-lhe no rosto e os<br />
cabelos, para certificar-se que era ela mesma, e não o brejeiro<br />
Afonso.<br />
Depois tornou-se impossível a confusão, porque não só o talhe<br />
do moço hasteou-se com a têmpera viril, como o fino buço começou<br />
a assombrear-lhe o lábio superior e as faces.<br />
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