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Til – José de Alencar

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eçumou um ai dos lábios nem lentejou uma lágrima as pálpebras. Os<br />

bolhões, que por ventura levantou lá nos mais escusos refolhos,<br />

como a rocha tombando nos pegos e tremedais, só os <strong>de</strong>nunciou a<br />

crispação pungente das feições.<br />

Reparando naquele espasmo doloroso, quase arrepen<strong>de</strong>u-se<br />

Berta <strong>de</strong> haver quebrado ao pobre idiota o encanto em que o tinha.<br />

Mas o seu carinho, ameigado, não embotava contudo as energias<br />

d’alma da mais fina têmpera, que semelhante a lâmina <strong>de</strong> aço,<br />

dobrava-se com a flexibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma fita <strong>de</strong> seda, mas também,<br />

quando brandida, cravaria o bronze, sendo preciso, como o buído fio<br />

<strong>de</strong> um estilete adamascado.<br />

Naquele instante ela era sobretudo mestra; ou mais que<br />

mestra, pois não ensinava somente, senão que tirava do caos <strong>de</strong>ssa<br />

animalida<strong>de</strong> confusa e revolta o balbuciar <strong>de</strong> uma razão sopita. Era<br />

quase uma criação a obra sublime, a que se <strong>de</strong>dicava, <strong>de</strong> plasmar do<br />

mostrengo um ser humano.<br />

- Reze!... insistiu Berta com autorida<strong>de</strong>.<br />

Engalfinhou o rapaz outra vez as mãos e começou a recitar com<br />

a mesma concentração <strong>de</strong> espírito a Ave-Maria, passando<br />

sucessivamente às orações do catecismo. Terminava a reza uma<br />

tenção particular, como se usa em muitas casas, e na qual se implora<br />

a proteção divina a favor das pessoas da família, dos entes mais<br />

queridos.<br />

Chegado a este ponto estacou Brás.<br />

- Virgem Puríssima... proferiu a voz insinuante <strong>de</strong> Berta.<br />

Vendo pintar-se no semblante do idiota as vacilações da<br />

memória prestes a apagar-se, articulava a menina mudamente as<br />

palavras que se <strong>de</strong>senhavam em seus lábios mimosas e fagueiras,<br />

don<strong>de</strong> o Brás as recebia como imagens a se refletirem no espelho da<br />

alma.<br />

- Virgem Puríssima, Rainha do Céu, Bem-aventurança nossa,<br />

Mãe <strong>de</strong> Jesus e dos aflitos, interce<strong>de</strong>i...<br />

Aqui fez o menino uma reticência, e fechando um instante os<br />

olhos para não ver o rosto gentil da moça que servia <strong>de</strong> página<br />

àquela súplica singela, terminou abrupto por um modo teimoso e<br />

rebel<strong>de</strong>:<br />

- Interce<strong>de</strong>i por <strong>Til</strong>, só, só, só, só!... <strong>Til</strong> muito feliz! <strong>Til</strong> muito<br />

bonita, muito tudo!...<br />

Ressumbrou aos lábios <strong>de</strong> Berta um meigo sorriso, que ela<br />

escon<strong>de</strong>u sob um gesto severo:<br />

- Diga direito!<br />

- Ele ruim... ela ruim!... Mor<strong>de</strong> nele... nos outros... Bem eu?...<br />

tu só!<br />

- Há <strong>de</strong> querer bem a todos, Brás, que eu mando!<br />

A expressão <strong>de</strong> rancor, <strong>de</strong>rramada na feição do rapaz,<br />

sublevou-se em assomos <strong>de</strong> fúria selvagem. Parecia que <strong>de</strong>sse<br />

bolônio informe e labrusco surgira por estranha mutação uma vípera<br />

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