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Til – José de Alencar

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andidas, conseguiu manter-se com o talhe ereto e a fronte<br />

sobranceira, arrostando em face aquela rábia formidável, que<br />

terrificaria ao mais bravo.<br />

Jão Fera, reconhecendo a menina através da nuvem <strong>de</strong> sangue<br />

que lhe inflamava o olhar, e vendo-a afrontar-lhe os ímpetos, não<br />

abateu logo <strong>de</strong> todo o fero senho, mas foi-se aplacando a pouco e<br />

pouco. A ira que se arrojava do seu aspecto, retraiu-se e <strong>de</strong> novo<br />

afundou pelas rugas do semblante, como a pantera que recolhe à<br />

jaula, rangendo os <strong>de</strong>ntes.<br />

Sua alma se impregnava do fluido luminoso dos olhos <strong>de</strong> Berta,<br />

e ele sentia-se trespassado pelo <strong>de</strong>sprezo que vertia no sorriso<br />

acerbo esse coração nobre e puro, sublevado pela indignação. De<br />

repente começaram a tremer-lhe os músculos da face, como os<br />

ramos do pinheiro percutidos pela borrasca; e as pálpebras caíramlhe,<br />

vendando-lhe a pupila ar<strong>de</strong>nte e rúbida.<br />

- Estavas aqui para matar alguém? perguntou a menina com<br />

um timbre <strong>de</strong> voz, semelhante ao ringir do vidro.<br />

Respon<strong>de</strong>u o capanga com uma palavra, que em vez <strong>de</strong> sair-lhe<br />

dos lábios, aprofundou-se pelo vasto peito a rugir como se<br />

penetrasse em um antro.<br />

- Estava.<br />

- Que mal te fez essa pessoa?<br />

- Nenhum.<br />

- E ias assassiná-la?<br />

- Pagaram-me.<br />

- Então, matas por dinheiro? perguntou Berta com a veêmencia<br />

do horror, que lhe causava essa torpe exploração do crime.<br />

- É meu ofício! disse Jão Fera com uma voz calma, ainda que<br />

grave e triste.<br />

- E não te envergonhas?<br />

Com um assomo <strong>de</strong> soberba indignação foram proferidas estas<br />

palavras pela menina cujo olhar vibrante flagelava as faces do sicário.<br />

Este erguera a fronte num ímpeto <strong>de</strong> revolta, pungidos os brios pela<br />

humilhação:<br />

- Envergonhar-me <strong>de</strong> que? Não feri, nunca feri homem algum<br />

<strong>de</strong> emboscada, às ocultas, a meu salvo. Ataco <strong>de</strong> frente, a peito<br />

<strong>de</strong>scoberto. Se mato é porque sou mais valente e mais forte; mas<br />

arrisco minha vida, e umas quantas vezes, bem mais do que esses a<br />

quem <strong>de</strong>spacho, pois sou um só contra muitos.<br />

- Que importa isso? A miséria está em ven<strong>de</strong>res a vida <strong>de</strong> teu<br />

semelhante, se acaso és tu homem e não fera como te chamam.<br />

Um riso <strong>de</strong> ironia feroz arregaçou o lábio do capanga.<br />

- E a vida é coisa que não se venda? Aí estão comprando-a<br />

todos os dias e até roubando. A minha, não a queriam, quando me<br />

recrutaram? Foi preciso barganhar por outra, senão lá ia acabar em<br />

alguma enxovia.<br />

- Assim não te causa a menor repugnância <strong>de</strong>rramar o sangue<br />

<strong>de</strong> teus semelhantes em troca <strong>de</strong> alguns vinténs?<br />

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