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Til – José de Alencar

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<strong>de</strong>rramando a vista pelo arvoredo, ficou transida, como se lhe<br />

surgisse em face um espectro.<br />

Enxergara o rosto <strong>de</strong> Ribeiro, que se ocultou entre a folhagem.<br />

Seria apenas uma alucinação <strong>de</strong> seu espírito, ou a tremenda<br />

realida<strong>de</strong>, cuja idéia tantas vezes a enchera <strong>de</strong> terror, nas longas<br />

noites não dormidas?<br />

A tremer chamou a preta, que estava na cozinha cuidando do<br />

almoço:<br />

- Meu marido, Zana!...<br />

Aterrou-se a ama, ouvindo da senhora os pormenores da<br />

aparição, que anunciava tamanhas <strong>de</strong>sgraças; e esteve algum tempo<br />

a espiar por entre a rótula a ver se lobrigava ainda o vulto do Ribeiro,<br />

mas nada viu.<br />

Acudiu-lhe então uma lembrança engenhosa, com a qual<br />

esperou e por entre a rótula quase cerrada, não podia o Ribeiro<br />

distinguir o semblante da criança. Tomou-a Zana dos braços<br />

<strong>de</strong>sfalecidos da senhora, e levando-a a seu cubículo, tisnou-lhe o<br />

corpo <strong>de</strong> carvão.<br />

Feito isto arranjou outra vez as fraldas e a touca; e saiu ao<br />

terreiro para acalentar a criança, andando <strong>de</strong> uma para outra banda,<br />

e entoando a costumada cantiga, mas então alterada por esta forma:<br />

Cala a boca, anda, negrinha,<br />

Ai-uê-lêlê!<br />

Senão olha canhambola,<br />

Ai-uê-lêlê!<br />

Vem cá mesmo Pai Surrão<br />

Toma, papa este tição.<br />

Compreen<strong>de</strong>u Besita o ardil da preta, e no <strong>de</strong>samparo em que<br />

se achava, confiou nessa frágil esperança.<br />

Passou o resto da manhã sem o menor aci<strong>de</strong>nte. Assim<br />

<strong>de</strong>svaneceu-se o primeiro sobressalto, e a moça inclinada a crer que<br />

apenas fora vítima <strong>de</strong> uma ilusão cruel, cobrou ânimo, embora não se<br />

pu<strong>de</strong>sse esquivar à inquietação que lhe <strong>de</strong>ixara o terrível susto.<br />

Veio a tar<strong>de</strong>: o céu estava sereno, e coava-se no espaço uma<br />

aragem tão doce que Besita encostou-se ao peitoril da janela. Com a<br />

fronte <strong>de</strong>scansada à ombreira, <strong>de</strong>ixando cair para fora as longas<br />

tranças <strong>de</strong> seus lindos cabelos negros, que a brisa fazia ondular,<br />

embebia-se em contemplar a estrela vespertina, que cintilava no<br />

horizonte. Súbito, no esquecimento <strong>de</strong>ssa cisma, uma estranha idéia<br />

<strong>de</strong>spontou-lhe no espírito. Pareceu-lhe que, através da cintilação da<br />

luz, <strong>de</strong>senhava-se a imagem <strong>de</strong> sua mãe, a sorrir-lhe lá do céu e a<br />

chamá-la.<br />

Então ouviu Zana um grito <strong>de</strong> terror, que se extinguiu em um<br />

gemido <strong>de</strong> angústia. Fora <strong>de</strong> si correu à alcova da senhora, on<strong>de</strong> a<br />

esperava um quadro horrível.<br />

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