16.06.2013 Views

Til – José de Alencar

Til – José de Alencar

Til – José de Alencar

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Deitado na cama feita apenas <strong>de</strong> molhos <strong>de</strong> sapé estendidos sobre a<br />

champa, Jão Fera com a cabeça na escabrura musgosa do rochedo<br />

que lhe servia <strong>de</strong> almofada, via pela fresta da caverna quanto<br />

passava nas faldas como nos píncaros do penhasco.<br />

Quando por fatalida<strong>de</strong> o ameaçasse em seu covil tal força armada<br />

que lhe tirasse os meios <strong>de</strong> salvação, no último transe, perdida toda a<br />

esperança, bastar-lhe-ia <strong>de</strong>itado como estava meter o pé com força<br />

no seixo, para que este rolasse e partindo-se o tronco, o estilhaço<br />

tombasse esmagando-o a ele e a seus inimigos.<br />

Se antes, enquanto dormia tranqüilo, a pedra se <strong>de</strong>slocasse com a<br />

dilatação do tronco, ou se aluísse a base sobre que assentava,<br />

nenhum cuidado lhe dava isso. Para ele, Jão, a vida fora sempre um<br />

contínuo perigo; sua índole precisava <strong>de</strong>sse estímulo.<br />

Poucos momentos <strong>de</strong>pois da luta que travara com os caititus,<br />

chegava o Bugre à falda do rochedo, em cujo flanco estava a sua<br />

furna. Com alguns tiros mais conseguira livrar-se do bando <strong>de</strong><br />

queixadas; e como um possesso <strong>de</strong>itara a correr para ali, em vez <strong>de</strong><br />

refugiar-se em alguma das árvores próximas.<br />

Atordoada com a velocida<strong>de</strong> da carreira e tomada ainda pelo susto do<br />

perigo a que escapara, <strong>de</strong>ixou-se levar Berta nos ombros do capanga,<br />

sem resistência, até que ele parou no sopé do rochedo.<br />

Então <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>ndo-se <strong>de</strong> seus braços e travando-lhe das mãos com<br />

veemência, exclamou:<br />

- Querem-no pren<strong>de</strong>r, Jão! Fuja! Eles não tardam!<br />

O capanga levantou os ombros <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhosamente, e fazendo menção<br />

<strong>de</strong> afastar-se, todavia parou a alguma distância, como se mão<br />

invisível lhe sofreasse a vonta<strong>de</strong>. Assim permaneceu com o corpo<br />

lançado, a fronte abatida, e a mão fechada a calcar o peito revesso.<br />

- Você não tem medo? replicou a menina vendo-o parado.<br />

- Medo!... murmurou o Bugre. Eu tenho mesmo! E muito!<br />

Com efeito bambeavam os músculos <strong>de</strong>ssa organização vigorosa e<br />

atlética; tremiam-lhe as curvas, e todo ele mostrava-se abalado por<br />

gran<strong>de</strong> pavor, que <strong>de</strong>rramava em suas feições e no seu gesto uma<br />

espécie <strong>de</strong> alucinação. Parecia que o assombrava temerosa visão ou<br />

que o esvairava algum horroroso pensamento.<br />

- Jão, eu lhe peço, Jão, fuja!<br />

118

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!