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Til – José de Alencar

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<strong>de</strong>spertavam nele reminiscências tão suaves, dormidas no fundo da<br />

lama!<br />

Lembrava-se das festas <strong>de</strong> outrora, quando era moço como o filho, e<br />

ali, na mesma vila <strong>de</strong> Piracicaba, tantas vezes escapulia da família<br />

para seguir o rancho <strong>de</strong> moças on<strong>de</strong> ia Besita, e à surrelfa apertar-lhe<br />

a mão, ou trocar uma palavra balbuciada a medo.<br />

Para mais avivar as cores a essa tela da mocida<strong>de</strong>, que os anos<br />

tinham <strong>de</strong>sbotado, ressurgiam aí diante <strong>de</strong> seus olhos as próprias<br />

figuras do gracioso painel; ele retratado na pessoa <strong>de</strong> Afonso; ela,<br />

revivendo na gentileza <strong>de</strong> Berta.<br />

A D. Ermelinda não escapara essa distração; acompanhando a<br />

direção do olhar e reparando na expressão <strong>de</strong> ternura e enlevo que<br />

se <strong>de</strong>rramava na fisionomia do marido, sobressaltou-a nova e mais<br />

cruel suspeita. À infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do passado acrescentaria Luís Galvão a<br />

perfídia no presente?<br />

Não teve tempo a <strong>de</strong>solada senhora <strong>de</strong> sondar esse novo abismo <strong>de</strong><br />

dor que se rasgava em sua alma, já tão atribulada.<br />

Mal lançara a Afonso o dito misterioso que lhe prorrompeu dos lábios,<br />

o caiapó travando com irresistível impulso do braço do moço,<br />

arrancou-o do lugar on<strong>de</strong> estava e trouxe-o até junto da janela <strong>de</strong> D.<br />

Ermelinda.<br />

Aí, afrontando-se com Luís Galvão, apontou para o filho, e proferiu<br />

estas palavras, obscuras como as outras:<br />

- Teu sangue mau quer matar teu sangue bom! Toma cautela!...<br />

Com pasmosa rapi<strong>de</strong>z passara essa cena estranha. Ainda não se<br />

<strong>de</strong>svanecera o espanto por ela causado nos assistentes, que já o<br />

caiapó havia <strong>de</strong>saparecido entre a multidão, sem que fosse possível<br />

indicar por on<strong>de</strong> se fora.<br />

Ao mesmo tempo soava gran<strong>de</strong> rumor na praça da matriz; e magotes<br />

<strong>de</strong> povo a correr pelas ruas <strong>de</strong>ixavam entre o vozeio soturno da turba<br />

estas vozes repassadas <strong>de</strong> pânico terror, que retalhavam o<br />

borborinho como correntes vivas a sulcarem um brejo:<br />

- Arrombada a ca<strong>de</strong>ia!...<br />

- Assalto na vila!<br />

No meio do susto produzido por este boato, o povo se dispersou,<br />

pondo termo à festa.<br />

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