Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Dessa vez ficou na garfada à perna da Rosa, que lá se foi<br />
coxeando para a camarinha, examinar o arranhão. Entanto o Brás,<br />
rachando a meio um pão e metendo em cada bolso uma banda,<br />
levantava-se da mesa para ganhar o quintal pela porta da cozinha.<br />
Repetindo Luís Galvão o seu amoroso remoque à inquietação da<br />
mulher, esta não se conteve, que não lhe replicasse.<br />
- Tem razão <strong>de</strong> zombar, Luís! Devo parecer-lhe uma criança; e<br />
eu mesma não cesso <strong>de</strong> acusar-me por esta tolice; mas nem por isso<br />
consigo livrar-me dos receios que me assaltam.<br />
- Disposição em que você está, Ermelinda. Que perigo po<strong>de</strong><br />
haver em um passeio que estou a fazer constantemente, e até mais<br />
longe e com maior <strong>de</strong>mora?<br />
- Tudo isto me tenho eu dito cem vezes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ontem, e não<br />
sossego. Nunca fui sujeita a cismas e caprichos, você bem o sabe;<br />
entretanto sinto hoje um <strong>de</strong>sassossego, um aperto <strong>de</strong> coração.<br />
- É nervoso.<br />
- Se não houvesse uma causa real para isso, podia ser; mas há.<br />
Essas esperas, que andam <strong>de</strong>itando por aí, das quais ainda ontem<br />
falou o administrador...<br />
- E por que hão <strong>de</strong> ser elas para mim? Não tenho inimigos, e a<br />
ninguém faço mal para que se dêem ao trabalho <strong>de</strong> livrarem-se <strong>de</strong><br />
mim.<br />
- Papai é tão estimado! disse Linda; e a voz doce como um favo<br />
<strong>de</strong> mel arpejou a nota moviosa da ternura filial.<br />
- Quem se atreveria?...<br />
O altivo <strong>de</strong>safio, esboçado nestas palavras, partiu dos lábios <strong>de</strong><br />
Afonso que alçou a fronte já naturalmente erguida, com um assomo<br />
bizarro.<br />
- São os bons, meus filhos, que estão mais sujeitos ao ódio dos<br />
maus, os quais se conhecem e ajudam entre si.<br />
- Lembre-se, Ermelinda, que <strong>de</strong>pois das esperas tenho andado<br />
por esses caminhos. No dia em que o administrador veio contar-lhe a<br />
tal novida<strong>de</strong> e assustá-la à toa, eu fui a Piracicaba, e duas vezes<br />
passei na Ave-Maria. Disse o Pereira <strong>de</strong>pois, que vira dois vultos no<br />
mato; entretanto nada me aconteceu. Se havia espera, não era<br />
<strong>de</strong>certo para mim.<br />
Pareceu D. Ermelinda ce<strong>de</strong>r à força <strong>de</strong>sse argumento e ao tom<br />
persuasivo do marido; mas o pressentimento a pungia, e o coração<br />
perscrutava objeções para resistir à razão.<br />
- E esse homem, que foi ontem visto pelos pretos,<br />
atravessando a fazenda? Dizem que a <strong>de</strong>sgraça o acompanha, pois<br />
ele <strong>de</strong>ixa, por on<strong>de</strong> passa, um rasto <strong>de</strong> sangue. Por isso <strong>de</strong>ram-lhe o<br />
nome <strong>de</strong> fera!<br />
- Outra prova <strong>de</strong> que são imaginários os seus receios,<br />
Ermelinda. Jão Bugre ou Jão, como eu o chamava em menino, a<br />
exemplo <strong>de</strong> outros, foi criado em nossa casa; era afilhado <strong>de</strong> meu pai<br />
e até chegou a servir-me <strong>de</strong> camarada. Depois tornou-se um<br />
perverso; porém lembra-se dos benefícios que recebeu <strong>de</strong> nossa<br />
23