16.06.2013 Views

Til – José de Alencar

Til – José de Alencar

Til – José de Alencar

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Fitou Miguel no semblante <strong>de</strong> Berta um olhar surpreso. As palavras<br />

da menina lhe pareciam remoques; e, todavia, era a voz repassada<br />

<strong>de</strong> tanto afeto e sincerida<strong>de</strong>!<br />

Mais surpreso ficou vendo a efusão <strong>de</strong> meiguice e ternura que havia<br />

no rosto gentil, salpicado quase sempre <strong>de</strong> graciosa malícia.<br />

- Obrigado, murmurou Miguel afastando-se com <strong>de</strong>speito.<br />

- Escute, Miguel, disse Inhá pousando a mão carinhosa no ombro do<br />

moço para retê-lo. Você há <strong>de</strong> gostar <strong>de</strong> Linda!... Me promete, sim?<br />

Você já gosta <strong>de</strong>la... Há quem possa resistir àqueles olhos tão doces,<br />

que estão bebendo a alma da gente. E a boquinha?... É um<br />

torrãozinho <strong>de</strong> açúcar escondido em uma rosa! Quando ela ri-se, faz<br />

cócegas no coração! Do corpinho, nem se fala. Que cinturinha <strong>de</strong><br />

abelha! E um ar tão engraçado, um andar tão faceiro, que encanta!<br />

Este esboço, Inhá o fazia ao vivo, e não só com a palavra cintilante,<br />

mas com o gesto animado, e o requebro do talhe esbelto. Era ela a<br />

própria cera, da qual a sua mímica ia esculpindo a estátua famosa <strong>de</strong><br />

Linda, com as doces inflexões das formas, o terno volver dos olhos e<br />

o <strong>de</strong>sbroche do mimoso sorriso.<br />

Miguel fascinado, rendido, já não resistia com efeito; e nesse<br />

momento, pelo menos, ele sentia que amava Linda; mas essa Linda<br />

que ali tinha diante dos olhos, e não a outra que vira ao natural,<br />

tímida, com as pálpebras cerradas, o lábio trêmulo, e o gesto<br />

constrangido.<br />

A mulher que ele adorava nos sonhos <strong>de</strong> sua juventu<strong>de</strong>, o tipo <strong>de</strong> sua<br />

ar<strong>de</strong>nte imaginação, realizava-se naquela moça que vazara a inefável<br />

ternura <strong>de</strong> Linda na graça e gentileza <strong>de</strong> Berta; e não era uma nem<br />

outra, mas a transfusão <strong>de</strong>ssas duas almas em uma beleza sedutora.<br />

Preso dos olhos ao lindo semblante da menina, e suspenso <strong>de</strong> seu<br />

lábio gazil e mimoso, foi Miguel seguindo-a, sem consciência do que<br />

fazia.<br />

Próximo à casa ouviu Berta uns risos e cochichos por trás da<br />

folhagem; e disfarçando para não <strong>de</strong>spertar as suspeitas <strong>de</strong> Miguel,<br />

aproximou-se da ramada, don<strong>de</strong> ela pressentira que a estavam<br />

espreitando.<br />

E não se enganava. Linda, impaciente com a ausência <strong>de</strong> Berta, não<br />

vendo chegar Afonso que fora em busca da travessa, tinha saído <strong>de</strong><br />

casa a pretexto <strong>de</strong> passeio, com o fito <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir alguma coisa.<br />

132

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!