16.06.2013 Views

Til – José de Alencar

Til – José de Alencar

Til – José de Alencar

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Talvez pedisse à Mãe <strong>de</strong> Deus, à divina consoladora dos aflitos, um<br />

conforto para sua alma, atribulada naquele instante por pensamentos<br />

que a enchiam <strong>de</strong> horror e angústia.<br />

Nunca passara pela mente <strong>de</strong> D. Ermelinda pedir a seu marido contas<br />

<strong>de</strong> um passado que não lhe pertencia, e até por melindre natural<br />

evitara sempre folhear aquela página da mocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Luís Galvão.<br />

Advertia-lhe o coração das <strong>de</strong>silusões que ali a aguradavam; e por<br />

isso preservara a sua ignorância como um véu protetor contra as<br />

suscetibilida<strong>de</strong>s e zelos <strong>de</strong> sua alma.<br />

Subitamente, porém, quando menos esperava, surge-lhe aquele<br />

passado, <strong>de</strong>ntre as alegrias <strong>de</strong> uma festa, e lança em seu espírito<br />

uma certeza fatal, a que por muitos anos e tão cuidadosamente se<br />

esquivara.<br />

E sobre esse golpe, outro ainda mais cruel talvez para almas como a<br />

sua, apuradas por uma suprema <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za e uma esquisita<br />

sensibilida<strong>de</strong>. A forma ru<strong>de</strong> e baixa por que se tinha revelado o<br />

passado <strong>de</strong> Galvão, sobretudo a magoou profundamente.<br />

Se lhe contassem da mocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu marido alguma afeição pura e<br />

generosa, no meio do seu <strong>de</strong>sencanto, teria ao menos o doce consolo<br />

<strong>de</strong> haver <strong>de</strong>lido d’alma <strong>de</strong> Luís aquela imagem querida, gravando<br />

sobre ela a sua.<br />

Mas a notícia <strong>de</strong> uma aventura galante, própria <strong>de</strong> um libertino, além<br />

<strong>de</strong> arranca-la à querida ilusão <strong>de</strong> ter sido o primeiro amor, lhe<br />

<strong>de</strong>rramara n’alma uma agrura, como nunca sentira.<br />

O caráter que até ali respeitara, <strong>de</strong>scia <strong>de</strong> repente em seu conceito; e<br />

ela enchia-se <strong>de</strong> pavor quando sua imaginação, exaltada pelo<br />

sofrimento, lhe abria as profun<strong>de</strong>zas insondáveis on<strong>de</strong> podia se<br />

precipitar o homem a quem ligara sua sorte.<br />

Depois, por uma natural associação, recordando-se da intimida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Linda com Miguel, no coração da mãe caíam as gotas acerbas que<br />

vazavam do coração da esposa. Pensava D. Ermelinda, que a filha<br />

criada por ela com tanto esmero, sucumbia à fatalida<strong>de</strong> e ia arrastada<br />

por um pendor irresistível, que o pai lhe transmitira <strong>de</strong> herança.<br />

Assim como Luís uma vez <strong>de</strong>slizara da honra que pautara sempre os<br />

atos <strong>de</strong> sua vida, e a nobreza <strong>de</strong> seu caráter se eclipsara ante a<br />

sedução <strong>de</strong> uma moça, Linda cuja alma ela se comprazera em colocar<br />

numa esfera elevada, se inclinava a um rapaz <strong>de</strong> posição muito<br />

inferior.<br />

153

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!