Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
- Deixa-os!<br />
- Mas o arengueiro do Pinta meteu-se <strong>de</strong> súcia com eles,<br />
redargüiu Chico; e não é <strong>de</strong> bom que o <strong>de</strong>mônio me anda a cheirar cá<br />
pelo rancho a uns tempos. Agora mesmo quando vim, lá me ficou<br />
espiando!<br />
Jão Fera encolheu os ombros com um ar <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhoso.<br />
- Escuta, Chico, isto é negócio sério. Hás <strong>de</strong> ir agora mesmo à<br />
fazenda do tal Aguiar. Diz-lhe que ele per<strong>de</strong> seu tempo em estar<br />
oferecendo contos <strong>de</strong> réis a quem me agarrar. Se quiser, que te<br />
entregue cinqüenta mil réis, e sou capaz <strong>de</strong> ir lá à fazenda uma tar<strong>de</strong><br />
que ele marcar <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> São João. Dou minha palavra.<br />
Olhou-o Chico espantado e quis objetar.<br />
- Vai ou não? Atalhou Jão com o tom <strong>de</strong>cisivo.<br />
O ven<strong>de</strong>iro abaixou a cabeça e partiu. Vendo-o <strong>de</strong>saparecer,<br />
dirigiu-se o capanga para a casa <strong>de</strong> nhá Tudinha, e já a pedaço oculto<br />
entre a ramada, estava <strong>de</strong> longe observando Berta, quando Miguel se<br />
retirou <strong>de</strong>speitado, <strong>de</strong>ixando só a colaça. Nessa ocasião animou-se<br />
ele a transpor a orla da mata; a menina o viu e adivinhando que lhe<br />
queria falar, foi a seu encontro.<br />
O olhar <strong>de</strong> Berta era uma interrogação instante e cheia <strong>de</strong><br />
inquietação. Não se encontrara com o capanga, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que este fugira<br />
<strong>de</strong> volta da Ave-Maria, sem fazer-lhe a promessa que ela exigia.<br />
- Agora posso <strong>de</strong>sempenhar minha palavra, e não me<br />
importarei mais com o Galvão; disse o capanga cabisbaixo e humil<strong>de</strong>.<br />
Estremeceu Berta, pensando no perigo que até aquele instante<br />
correra o pai <strong>de</strong> Linda.<br />
- Obrigada, Jão! Disse Berta com efusão sincera.<br />
Nem lhe ocorreu, fosse o que ela agra<strong>de</strong>cia, dádiva <strong>de</strong> um<br />
assassino, que lhe cedia uma existência como um artigo <strong>de</strong> seu<br />
bárbaro tráfico.<br />
- Mecê está contente? Perguntou animando-se o capanga.<br />
- Muito, muito, Jão!<br />
- Então... me <strong>de</strong>ixe...<br />
A voz do capanga balbuciou, e por fim gelou-se nos lábios<br />
trêmulos e lívidos.<br />
- O que é? insistiu Berta. Fale, não tenha susto. Quer que eu<br />
faça alguma coisa por você?<br />
- Sim!<br />
- Pois diga.<br />
Com um violento esforço arrancou o capanga estas palavras<br />
trôpegas:<br />
- Beijar o bentinho.<br />
Sorriu-se Berta, e com um gesto gracioso tirou do seio o<br />
relicário pen<strong>de</strong>nte com a cruz do cordão <strong>de</strong> ouro, e, erguendo-se na<br />
pontinha dos pés, o <strong>de</strong>u a beijar, preso como estava ao pescoço.<br />
Jão Fera roçou os lábios pela relíquia, e, sem força para erguer<br />
a cabeça bamba, com o corpo balordo e o passo trôpego,<br />
82