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Til – José de Alencar

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conservar a liberda<strong>de</strong>, a que a habituara uma educação campestre,<br />

no mais esquivava-se quanto podia ao império que lhe <strong>de</strong>feriam os<br />

súditos <strong>de</strong> sua graça e gentileza.<br />

Assim explica-se como podia Berta passar horas e horas nas<br />

ruínas, observando Zana e esforçando por <strong>de</strong>svendar o mistério<br />

<strong>de</strong>ssa louca solitária, que ali vivia ao <strong>de</strong>samparo, completamente<br />

esquecida e nutrindo-se <strong>de</strong> terra <strong>de</strong> raízes cruas, antes que a menina<br />

se incumbisse da tarefa <strong>de</strong> prover a sua subsistência.<br />

No dia em que estamos não acabou Zana a pantomima <strong>de</strong> sua<br />

visão diária.<br />

Quando se aproximava pé ante pé da janela da alcova, em<br />

atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem espreita, os olhos da negra esbarraram com os <strong>de</strong><br />

um homem. Era o Barroso que assomara <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do mato, pouco<br />

antes, e dirigiu-se passo a passo para as ruínas.<br />

Estremeceu a doida, e tão violenta foi a propulsão, que a fez<br />

saltar sobre si. Com os olhos esbugalhados, a boca escancarada e os<br />

beiços arregaçados, ficou banza um instante; mas logo, espancada<br />

pelo terror, precipitou-se para fora tão <strong>de</strong>sastradamente que errou a<br />

porta e bateu em cheio na taipa.<br />

De novo arremeteu, e rechaçada pelo choque, andou aos<br />

embates contra a pare<strong>de</strong>, até que acertando com o vão da porta<br />

fugiu estremunhada <strong>de</strong> pavor.<br />

Advertida pelo primeiro sintoma <strong>de</strong> estupefação da louca, Berta<br />

seguindo-lhe a direção do olhar, avistara também o Barroso, que<br />

nesse momento parado em face da janela, a alguns passos apenas, a<br />

encarava com uma expressão <strong>de</strong> profundo rancor.<br />

Teve medo a menina, e recuou instintivamente. Estava<br />

acostumada a correr só os campos vizinhos, on<strong>de</strong> freqüentemente<br />

encontrava caipiras e toda a casta <strong>de</strong> gente malfazeja, <strong>de</strong> quem aliás<br />

nunca se receara. Esse homem, porém, inspirava-lhe uma in<strong>de</strong>finível<br />

repugnância e terror.<br />

Esteve Barroso a consi<strong>de</strong>rá-la alguns instantes, com ar <strong>de</strong> quem<br />

se resolve. Por fim, mascando um riso mau, que revia-lhe dos lábios,<br />

afastou-se murmurando:<br />

- Eu hei <strong>de</strong> saber! Ah! se fosse!...<br />

Com a partida do <strong>de</strong>sconhecido, recuperou Berta a calma <strong>de</strong><br />

espírito e volvia os olhos pela sala procurando Zana, que vira fugir,<br />

quando lhe feriram o ouvido gritos esganidos e sufocados, que<br />

vinham do terreiro.<br />

Precipitando-se da alcova, a preta viera até o terreiro da<br />

cozinha, on<strong>de</strong>, faltando-lhe as forças, abateu-se como um fardo a<br />

que retiram o apoio.<br />

Imediatamente <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do balseiro saltou com o arremesso<br />

<strong>de</strong> um gato do mato uma estranha criatura cuja roupa <strong>de</strong> grosso brim<br />

escorria para a ilusão. Acocorando-se em cima do corpo inerte da<br />

louca, apertava-lhe ao pescoço as mãos crispadas, procurando<br />

esganá-la, enquanto com os pés e os joelhos malhava-lhe o ventre.<br />

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