You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>de</strong>ixando apenas escapar o perfume. Reclinou ela a fronte<br />
vergonhosa e repetiu <strong>de</strong>ntro d’alma o que se não animara a dizer.<br />
Como se operou tão rápida a transformação <strong>de</strong> Miguel que até a<br />
véspera esquivo e reservado com Linda, agora preso <strong>de</strong> seu encanto,<br />
se engolfava na ventura <strong>de</strong> sentir-se querido, e esquecia Berta, que<br />
ainda pela manhã lhe cativara o coração?<br />
O mesmo é perguntar a flor como nasce. A semente que o vento<br />
lança na terra, sabe-se acaso, porque enfeza ou brota? Às vezes lá<br />
fica na eiva do rochedo, tempo esquecido, até que o céu lhe manda<br />
uma réstia <strong>de</strong> sol e uma gota <strong>de</strong> orvalho.<br />
Assim aconteceu com Miguel. O germe <strong>de</strong>sse amor, há muito o<br />
guardava no coração, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que admirara pela primeira vez a beleza<br />
<strong>de</strong> Linda. Mas o afastamento natural em sua posição inferior; as<br />
suscetibilida<strong>de</strong>s próprias <strong>de</strong> um caráter nobre; e, mais ainda, a<br />
sedução irresistível que exerciam em sua jovem imaginação a graça e<br />
lin<strong>de</strong>za <strong>de</strong> Inhá, tinham sopitado esse amor à nascença.<br />
Quisesse Berta que Miguel não amaria senão a ela, e esqueceria <strong>de</strong><br />
todo a imagem <strong>de</strong> Linda. Mas a menina, em vez <strong>de</strong> aceitar para si o<br />
afeto, só o queria para a amiga, cujo segredo ela pressentira havia<br />
meses.<br />
Des<strong>de</strong> então se <strong>de</strong>svelara Inhá com extremosa solicitu<strong>de</strong> em grajear<br />
para Linda a ternura <strong>de</strong> Miguel, e fazer a ventura <strong>de</strong> ambos. Nesse<br />
emprenho encontrava um obstáculo, que era sua própria gentileza,<br />
na qual se enlevava o mancebo; mas <strong>de</strong>la mesma o seu tato <strong>de</strong>licado<br />
soube tirar partido.<br />
A beleza <strong>de</strong> Linda era para a imaginação ar<strong>de</strong>nte e poética <strong>de</strong> Miguel<br />
uma linda imagem sem calor e sem luz; estátua <strong>de</strong> jaspe imersa na<br />
sombra. Berta o compreen<strong>de</strong>u; e fez <strong>de</strong> sua alma a centelha que<br />
<strong>de</strong>via animar o mármore.<br />
Inspirado artista, ela tirou <strong>de</strong> sua graça, como <strong>de</strong> uma rica palheta,<br />
as cores mais mimosas para retocar a figura vaga e suave <strong>de</strong> Linda.<br />
Vazou nos lânguidos olhos da amiga as rutilações <strong>de</strong> sua pupila<br />
brilhante; e enflorou com o seu feiticeiro sorriso os lábios on<strong>de</strong> se<br />
aninhara o suspiro.<br />
De cada vez, um traço do i<strong>de</strong>al se estampava na fantasia <strong>de</strong> Miguel,<br />
que muitas vezes surpreendia sua alma na contemplação <strong>de</strong>ssa<br />
virgem <strong>de</strong>sconhecida, em que a formosura <strong>de</strong> Linda se perfumava<br />
com a faceirice <strong>de</strong> Inhá.<br />
139