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Til – José de Alencar

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terrível, que um instante subjugada pela fascinação, silvava <strong>de</strong> raiva<br />

e assanhava-se contra o encanto que a entorpecera.<br />

Erguera, porém, Berta a mão direita, e com o indicador fez ao<br />

rebel<strong>de</strong> um gesto <strong>de</strong> ameaça, esten<strong>de</strong>ndo a unha rosada quase a<br />

cravá-la no meio do sobrolho espesso do idiota.<br />

- Diga, senão...<br />

O confrangimento <strong>de</strong> uma vasca estampou-se na figura do<br />

infeliz; mas apesar, os <strong>de</strong>ntes rangiam-lhe <strong>de</strong> cólera.<br />

- Não sou mais <strong>Til</strong>! disse a menina lentamente.<br />

Caiu-lhe então aos pés, outra vez humil<strong>de</strong> e cativo, rojando<br />

como um verme, o mísero idiota, <strong>de</strong> cujo corpo rompia em arquejos e<br />

contorções o pranto, que não sabia exprimir como os homens em<br />

lágrimas e lamentos.<br />

Acalentou-o Berta, amimando-lhe as faces, e <strong>de</strong>pois que o viu<br />

calmo, trouxe-o <strong>de</strong> novo à reza e o fez recitar a prece interrompida.<br />

“- Virgem Puríssima, Rainha do Céu, Bem-aventurança nossa,<br />

Mãe <strong>de</strong> Jesus e dos aflitos, interce<strong>de</strong>i por meu tio, minha tia e meus<br />

primos; por mim, por Berta e aqueles a quem ela quer bem, e fazeinos<br />

a todos felizes.”<br />

- Vamos à lição! Disse Berta.<br />

Repetiu então o Brás <strong>de</strong> cor o abecedário e uma parte da carta<br />

<strong>de</strong> sílabas e nomes.<br />

XXV<br />

O idiota<br />

Tirando do balaio uma varinha <strong>de</strong> peroba em forma <strong>de</strong> flecha,<br />

que lhe servia para esticar o pano, quando tomava o ponto às meias<br />

ou cerzia a mais roupa, Berta começou a traçar no chão as letras do<br />

alfabeto.<br />

À proporção que Brás acertava com o nome <strong>de</strong> cada letra, a ia<br />

apagando a mestra gentil com a ponta do pé buliçoso e faceiro, para<br />

escrever outra e outra até o fim do abecedário, como se costuma nas<br />

escolas sobre a ardósia.<br />

O gran<strong>de</strong> esforço, que faz o idiota para <strong>de</strong>cifrar as letras e<br />

sílabas, ressalta-lhe do rosto contraído. As feições <strong>de</strong> ordinário<br />

balordas e flácidas, como abandonadas à sua materialida<strong>de</strong> pela<br />

ausência do espírito, as confrange neste momento a tensão violenta<br />

do bestunto porfiando romper a rija crosta que o empe<strong>de</strong>rniu.<br />

Assim pasmam-se, em uma fixi<strong>de</strong>z espantosa, as pupilas vagas<br />

e amortecidas; a belfa caída sempre como a mandíbula <strong>de</strong> um<br />

animal, a arreganhar a boca, dava-lhe uma expressão lorpa; mas<br />

agora comprime fortemente o lábio superior, e a ponto que rangemlhe<br />

os <strong>de</strong>ntes e nas ventas sibila o sopro da respiração ofegante.<br />

Às vezes parecia que, extenuado por esse afã, o bronco<br />

entendimento do rapaz ia <strong>de</strong>sfalecer e sucumbir; pois perpassava-lhe<br />

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